Provas ilícitas

21/10/2015 às 19:37
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O presente trabalho teve como objetivo estudar alguns pontos sobre as provas ilícitas no processo penal, as teorias norte americanas e suas hipóteses de admissibilidade.


Sumário


1. Introdução 1
2. Histórico 1
3. Conceito 2
4. Hipótese de admissibilidade da prova ilícita: Prova ilícita pro reo 3
5. Teoria dos frutos da árvore envenenada 3
6. Hipóteses de admissibilidade da prova ilícita derivada 6
    6.1 Teoria da descoberta inevitável 6
    6.2 Teoria do encontro fortuito de provas 7
7.     Conclusão 9


1. Introdução

O tema escolhido – Breve estudo sobre provas ilícitas no Processo Penal – encontra-se inserido entre as matérias Direito Processual Penal, tendo como fundamentação legal os artigos os artigos 157 e seguintes do CPP, bem como o art. 5º, LVI da Constituição Federal.

Será feita, de maneira breve, uma análise constitucional e processual das provas colhidas de maneira ilícita, com ênfase nas teorias norte americanas (fruis of poisonous tree, inevitable Discovery e da teoria do encontro fortuito de provas).

No mais, falaremos um pouco sobre a interceptação telefônica e o fenômeno da serendipidade.

2. Histórico
Antes de começarmos a analisar as provas ilícitas propriamente ditas, vale uma breve passada nas mudanças recentes ocorridas na legislação brasileira sobre o tema.

Em 2008 houve uma grande reforma no Código de Processo Penal, alterando significativamente a parte relativa às provas. Antes de 2008 o CPP era totalmente silente sobre as provas ilícitas. Com a introdução da nova redação do artigo 157, o Código explicitou acerca da prova obtida de maneira ilícita. “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a norma constitucionais ou legais”.

Desse modo, hoje há a garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas explicitadas tanto na Constituição Federal (art. 5º, LVI), quanto no Código de Processo Penal (art. 157).

3. Conceito

Provas ilícitas são as provas obtidas com desrespeito às normas constitucionais ou legais. Esses diplomas legais visam tutelar os direitos e garantias individuais, bem como a própria qualidade do material probatório a ser usado no processo.

Na brilhante lição de Pacelli:

“Mais que uma afirmação de propósitos éticos no trato das questões do Direito, as aludidas normas, constitucional e legal, cumprem uma função ainda mais relevante, particularmente no que diz respeito ao processo penal, a saber: vedação das provas ilícitas atua no controle da regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua produção. Nesse sentido, cumpra função eminentemente pedagógica, ao mesmo tempo que tutela determinados valores reconhecidos pela norma jurídica”.

Tem-se, ainda, o conceito doutrinário de Nuvolone. Ada Pelegrini trouxe para nós a teoria desse grande jurista, onde há distinção entre prova ilícita (violadora de normas ou princípios constitucionais ou legais de direito material) e prova ilegítima (violadoras do direito processual penal). Essa distinção não foi acolhida pela reforma de 2008.

4. Hipótese de admissibilidade da prova ilícita: Prova ilícita pro reo

Nesse instituto, estamos diante da utilização da prova ilícita para absolvição do acusado. Trata-se de uma exceção, considerando como válida uma prova ilícita.

Eugênio Pacelli sustenta que a pessoa que comete crime para provar sua inocência não será condenada por ele, pois está abarcada por causa excludente da ilicitude. O mesmo autor ilustra com o seguinte exemplo: para provar sua inocência A invade a casa de B. Ele cometeu invasão de domicílio, mas o crime será afastado.

Posição isolada na doutrina, o professor Guilherme Madeira sustenta que não poderá ser feita esta análise de maneira absoluta, ou seja, tudo dependerá do crime praticado e do crime imputado, não podendo ser praticado crime mais grave para ser absolvido de crime menos grave.


5. Teoria dos frutos da árvore envenenada

Trata-se de uma teoria de origem norte americana (fruis of poisonous tree) que é uma derivação do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas.

Como primeiro momento dessa teoria encontra-se o caso Silverthorne Lumber v Estados Unidos da América, de 1920, onde a suprema Corte Americana afastou a utilização de provas tidas como lícitas, mas obtidas através de uma prova ilícita

 Em nosso ordenamento jurídico está explicitada no art. 157, §1º, primeira parte. Vejamos: “são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras”.

Desse modo, as provas até podem ser lícitas, mas se derivam de uma primeira prova ilícita, ela não poderá ser aproveitada. Explica Pacelli:

“Se os agentes produtores da prova ilícita pudessem dela se valer para a obtenção de novas provas, cuja existência somente se teria chegado a partir daquela (ilícita), a ilicitude da conduta seria facilmente contornável. Bastaria a  observância da forma prevista em lei, na segunda operação, isto é, na busca por provas obtidas por meio das informações extraídas pela via da ilicitude, para que se legalizasse a ilicitude da primeira (operação). Assim, a teoria da ilicitude por derivação é uma imposição da aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente”

Seguindo o mesmo raciocínio, vejamos lição do Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, citado no livro do professor Magno:

“Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. A exclusão da prova originariamente ilícita – ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação – representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do ‘due process of law’ e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal”

Nesse sentido, julgado do Supremo Tribunal Federal


“EMENTA: HABEAS-CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVA ILÍCITA: ESCUTA TELEFÔNICA. 1. É ilícita a prova produzida mediante escuta telefônica autorizada por magistrado, antes do advento da Lei nº 9.296, de 24.07.96, que regulamentou o art. 5º, XII, da Constituição Federal; são igualmente ilícitas, por contaminação, as dela decorrentes: aplicação da doutrina norte-americana dos "frutos da árvore venenosa". 2. Inexistência de prova autônoma. 3. Precedente do Plenário: HC nº 72.588-1-PB. 4. Habeas-corpus conhecido e deferido por empate na votação (RI-STF, art.150, § 3º), para anular o processo ab initio, inclusive a denúncia, e determinar a expedição de alvará de soltura em favor do paciente. ” 

Vale ressaltar que a prova obtida ilegalmente não compromete a existência do processo. A prova ilícita não contamina as demais provas, haja vista que o juiz, em tese, não se contamina com elementos alienígena aos autos.

6. Hipóteses de admissibilidade da prova ilícita derivada

6.1 Teoria da descoberta inevitável

Essa teoria, também desenvolvida pelos juristas Norte Americanos (inevitable Discovery), tendo como precedente o caso Nix vs Willians. No caso concreto, um cidadão, acusado de ter sequestrado uma menina, foi constrangido a falar onde ela estaria. Concomitante as tentativas de fazê-lo falar, os policias buscavam, casa a casa, pela menina desaparecida. Quando o sujeito resolveu falar, os policiais já estavam na quadra da casa que serviu de esconderijo da garota. Era apenas questão de tempo para o resgate. Desse modo, a fala do sujeito não alterou a circunstância fática.

Assim, “se se tratar da uma inevitable Discovery, a Suprema Corte concluiu que a doutrina dos frutos da árvore envenenada não se aplica aos casos em que a prova seria inevitavelmente descoberta por uma investigação legal, sem relação com a violação ilegal”. 

Em nosso ordenamento, a teoria encontra-se no art. 157, §1º, parte final: “São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primárias”.

Ensina Nestor Távora

“Descoberta inevitável: se a prova, que circunstancialmente decorre de prova ilícita, seria conseguida de qualquer maneira, por atos de investigação válidos, ela será aproveitada, eliminando-se a contaminação. A inevitabilidade da descoberta leva ao reconhecimento de que não houve um proveito real com a violação legal. A prova ilícita, que deu ensejo à descoberta de outra prova, que seria colhida mesmo sem a existência da ilicitude, não terá o condão de contaminá-la. Ex: não se devem reconhecer como ilícita as declarações de testemunha que foi descoberta mediante interceptação telefônica, se esta pessoa foi indicada por várias outras, não vinculadas à interceptação, como testemunha do fato. Mesmo que a interceptação não existisse, a testemunha seria revelada pelas declarações das demais. A interceptação acabou não sendo decisiva para o descobrimento desta pessoa, que inevitavelmente figuraria como testemunha, já que as demais a indicaram como tal”.

Dessa maneira, na descoberta inevitável admite-se a prova, ainda que presente eventual nexo de causalidade entre elas (a ilícita e a descoberta), exatamente em razão de se tratar de meios de provas rotineiramente realizados.


6.2 Teoria do encontro fortuito de provas

Aqui, a prova de determinada infração penal é obtida a partir das buscas regularmente autorizadas para a investigação de outra infração criminal. Para ilustrar, exemplo trazido em doutrina: “No curso de interceptação telefônica judicialmente autorizada para a prática de crime de tráfico de drogas é descoberto um homicídio”. Essa prova do homicídio é considerada válida, pelo fenômeno da serendipidade.

Dentro desse tema, a questão mais relevante é o encontro de provas por meio de interceptação telefônica, devidamente autorizada judicialmente, que, por si só, não ensejaria a interceptação. Ilustrando:  escuta autorizada para crime de tráfico (crime esse previsto na lei 9.296/96) e, pelo fenômeno da serendipidade, descobre contravenção penal do jogo do bicho (contravenção não está autorizada a ser interceptada). O Supremo Tribunal Federal decidiu que a conexão entre crimes e fatos justificaria a ilicitude e aproveitamento da prova, mesmo envolvendo crimes punidos com detenção, para os quais a lei inicialmente não permite a interceptação.

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Interessante decisão do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos trecho:

“1. A interceptação telefônica vale não apenas para o crime ou indiciado objeto do pedido, mas também para outros crimes ou pessoas, até então não identificados, que vierem a se relacionar com as práticas ilícitas. A autoridade policial ao formular o pedido de representação pela quebra do sigilo telefônico não pode antecipar ou adivinhar tudo o que está por vir. Desse modo, se a escuta foi autorizada judicialmente, ela é lícita e, como tal, captará licitamente toda a conversa.
              2. Durante a interceptação das conversas telefônicas, pode a autoridade policial divisar novos fatos, diversos daqueles que ensejaram o pedido de quebra do sigilo. Esses novos fatos, por sua vez, podem envolver terceiros inicialmente não investigados, mas que guardam relação com o sujeito objeto inicial do monitoramento. Fenômeno da serendipidade”. 

Há quem levante a hipótese do trabalho policial ficar viciado por conta da serendipidade, ou seja, a polícia pediria sempre interceptação para um crime constante no rol da 9.296/96, mas seu intento seria buscar qualquer crime. Pacelli defende brilhantemente o contrário:

“Não se poderia alegar que as autoridades encarregadas da investigação criminal poderiam valer-se do expediente para obter mais facilmente autorização para interceptação telefônica, agindo, então, abusivamente. É que, como vimos, a autorização judicial para interceptação telefônica é feita sempre se modo excepcional, devidamente fundamentada, e somente quando se fizerem presentes indícios razoáveis de autoria e/ou participação, bem como quando a prova não puder ser feita de outro modo, além de ser cabível somente para infrações punidas com pena de reclusão”.


7. Conclusão


O presente trabalho teve como objetivo estudar alguns pontos sobre as provas ilícitas no processo penal, as teorias norte americanas e suas hipóteses de admissibilidade.

No intuito de fazer o direito Processual Penal brasileiro avançar, o legislador reformou o Código de Processo Penal, introduzindo em nosso sistema normas que resguardam direitos e garantias individuais.

De se ver que as teorias introduzidas no Brasil, mesmo que de maneira morosa, fez nosso sistema probatório muito avançar, trazendo cada vez mais legitimidade para o processo e dando suporte jurídico.

A conclusão que alcanço, depois desse breve estudo, é que o tema se mostra de suma importância para um sistema jurídico onde cada vez mais há a utilização de meios de prova como escutas ambientes, interceptações telefônicas, entre outras.


            BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 10ª ed. São Paulo, Atlas.

MADEIRA, Guilherme Dezem. Curso de processo Penal. 1ª ed. São Paulo, Revista dos tribunais, 2015

MAGNO, Levy Emanuel. Curso de Processo Penal Didático. 4ª ed. São Paulo, Atlas, 2013

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 19ª ed. São Paulo, Atlas. 2015

SCHREIBER, Simone. Curso de processo Penal. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 2012

TAVORA, Nestor. Processo penal II: provas – questões e processos incidentes. 1ª ed. São Paulo, Saraiva, 2012.

www.stj.jus.br

www.stf.jus.br

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Stephânea Filzek

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