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Do reexame necessário à luz da Constituição Federal:

tratamento desigual (i)legítimo da Fazenda Pública

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19/12/2013 às 14:15
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3.    Espécies de reexame necessário

Dentre as classificações que são feitas, uma destina-se a dividir as espécies de reexame necessário em obrigatório e facultativo.

“O reexame é obrigatório quando a lei não oferece ao Juiz a possibilidade de decidir se determina ou não a remessa dos autos a outro órgão hierarquicamente superior” (TOSTA, 2005, p. 157).

Em contrapartida, é facultativo quando não impõe ao magistrado a necessidade de remessa dos autos à instância ad quem. É o que ocorre no artigo 898 da CLT, último resquício de exemplo do reexame facultativo.

Das decisões proferidas em dissídio coletivo que afete empresa de serviço público, ou, em qualquer caso, das proferidas em revisão, poderão recorrer, além dos interessados, o Presidente do Tribunal e a Procuradoria da Justiça do Trabalho.[3] (sem grifo no original)


4.    Natureza jurídica do reexame necessário

 Não consta no Código de Processo Civil (ou mesmo na legislação especial) dispositivo que indique, de forma segura e imune de dúvidas, a natureza jurídica do instituto (MAZZEI, 2011, p.420).

Desse modo, a doutrina divide-se em 5 (cinco) correntes ao analisar a natureza jurídica do reexame necessário muito embora, na visão de Barbosa Moreira, o assunto “sempre teve sabor exclusivamente acadêmico e está de todo superada” (BARBOSA MOREIRA, 2007, p. 201).

4.1.        Teoria do recurso

Tem, entre seus defensores, Sérgio Bermudes (1995, p. 159) e Araken de Assis (2001, p. 114-134).

Em que pese inexistir no reexame necessário as características recursais da voluntariedade, tipicidade, dialeticidade, interesse em recorrer, legitimidade, tempestividade, preparo e juízo de admissibilidade, seus defensores atribuem ao reexame necessário a natureza recursal em razão de que um órgão ad quem faz a revisão da matéria julgada em primeiro grau pelo juiz, argumentando que quem recorre não é o juiz, mas o Estado.

Essa parcela minoritária da doutrina consubstancia o reexame necessário como um sucedâneo recursal na medida em que há transferência, imposta pela lei, à instância superior do conhecimento integral da causa (ASSIS, 2007, p. 850).

Todavia, embora o CPC de 1939 denominasse o atual instituto do reexame necessário como apelação de ofício, sua natureza recursal nunca foi realmente reconhecida.

Trata-se de providência a ser obrigatoriamente adotada pelo magistrado, nas hipóteses em que legalmente prevista, consistente em ordenar que, uma vez vencido o prazo para que a parte sucumbente interponha seu recurso, os autos sejam submetidos à segunda instância, para reapreciação da matéria, com confirmação ou reforma (parcial ou total) daquilo que foi decidido. (DECOMAIN, 2012, p. 107).

4.2.    Teoria do impulso oficial

A teoria do reexame necessário como impulso oficial é capitaneada por Pontes de Miranda (1997, p. 156). Ela nega a natureza recursal do reexame necessário sob a alegação de que inexiste a característica da voluntariedade, essencial aos recursos. Por conseguinte, como o juiz não é capaz de postular nos autos do processo em que proferiu sentença, ele determina a subida dos autos para reapreciação pelo órgão ad quem por meio do impulso oficial estabelecido pela lei processual.

A apelação de ofício, seguindo a velha praxe, interpõe-se por simples declaração de vontade, que não se separa do ‘despacho’ devolutivo (sempre que, nas leis, não há razões do apelado). A figura processual não é a inserção do Estado, através do próprio juiz, na relação processual, e sim a de impulso processual. O juiz é recorrente, sem ser parte, sem ser litisconsorte ou terceiro prejudicado. A própria situação de recorrente é-lhe conferida como explicação do impulso, que se lhe confia; porque rigorosamente, a apelação de ofício é apelação sem apelante. A conclusão poderia ser mecânica, feita pelo escrivão. A lei entregou esta missão ao próprio juiz (PONTES DE MIRANDA, 1974, p. 216).

4.3.        Teoria do ato complexo

Inicialmente defendida por Frederico Marques, foi por ele revista mais tarde. Essa teoria busca fundamentos no Direito Administrativo, em especial, na definição de atos complexos: “envolvem necessariamente a manifestação de mais de um órgão, poder ou ente” (MEDAUAR , 2006, p. 149).

Do mesmo entendimento compartilha Rui Portanova. Para o desembargador gaúcho, algumas sentenças que envolvem interesse público são o primeiro momento de um ato judicial complexo, cujo aperfeiçoamento requer a manifestação do tribunal (2003, p. 266-267).

No Superior Tribunal de Justiça, ainda é possível encontrarem-se adeptos dessa corrente. Exemplo disso é o acórdão proferido no REsp 100.715-BA, da 1ª Turma, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.

PROCESSUAL – DECISÃO CONTRÁRIA AO ESTADO – REMESSA EX OFFICIO – NATUREZA DO FENÔMENO – CPC ART. 475 – APELAÇÃO – TEMPESTIVIDADE – DISCUSSÃO INÚTIL – AGRAVO RETIDO – CONHECIMENTO.

1.     A decisão de primeiro grau, contrária ao Estado, constitui o primeiro dos momentos de um ato judicial complexo, cujo aperfeiçoamento requer manifestação do Tribunal.

2.     Quando aprecia remessa ex-officio, o Tribunal não decide apelação: simplesmente complementa o ato complexo.

3.     Não faz sentido discutir-se a tempestividade de apelação manifestada pelo Estado, contra decisão de primeiro grau. É que tal decisão será necessariamente apreciada pelo Tribunal ad quem.

4.     O agravo retido deve ser apreciado pelo tribunal, na assentada em que fizer a revisão ex officio (CPC, Art. 475). O Art. 523 do CPC deve ser interpretado de modo a não tornar inútil o Art. 522.[4]

Conforme o acórdão mencionado, o reexame necessário é um ato complexo porque o juiz, nesta hipótese, apresenta ao Tribunal um projeto de sentença que, aprovado, transforma-se em sentença, eficaz e apta a gerar coisa julgada. Em contrapartida, quando modifica o projeto, a Corte não estará reformando sentença. Estará ajustando a proposta que lhe parece deva ser a sentença correta.[5]

4.4.        Teoria da condição de eficácia

A teoria do reexame necessário como condição de eficácia da sentença é a que ganhou mais adeptos na doutrina nacional. Embora a impropriedade terminológica, eis que “condição” refere-se a evento futuro e incerto, tem dentre seus seguidores expoentes da doutrina jurídica nacional como Nelson Nery Junior, Mendonça Lima, Barbosa Moreira, Arruda Alvim, Grinover e Tucci.

Conforme essa teoria, a sentença é ineficaz quando presente alguma das hipóteses de reexame necessário. Apenas depois de reexaminada pelo Tribunal é que produzirá seus efeitos. Ou seja, não havendo o reexame, a sentença não transitará em julgado, razão pela qual se diz que está sujeita a uma condição.

Trata-se de condição de eficácia da sentença, que, embora existente e válida, somente produzirá efeitos depois de confirmada pelo tribunal.  (...) Enquanto não reexaminada a sentença pelo tribunal, não haverá trânsito em julgado, e, consequentemente, será ela ineficaz (NERY JUNIOR e NERY, 1999, p. 928).

Inclusive, esse tem sido o entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça em diversos de seus julgados[6]:

RECURSO ESPECIAL – ALÍNEA "A" – REEXAME NECESSÁRIO – INVERSÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES.

A teor do disposto no artigo 475, inciso II, do Código Buzaid, a remessa necessária tem a natureza jurídica de "condição de eficácia da sentença". Por esse motivo, "tem translatividade plena, submetendo ao tribunal toda a matéria levantada e discutida no juízo inferior, mesmo que a sentença não a haja apreciado por inteiro" (Nelson Nery Júnior in "Princípios fundamentais - Teoria Geral dos Recursos", RT, 4ª edição, p. 57).

Assim, mesmo que a parte não tenha manejado recurso de apelação e suscitado o exame, pela egrégia Corte julgadora, da questão relativa aos ônus sucumbenciais, ou, se, hipoteticamente, não tivesse sido ultrapassado o juízo de admissibilidade de recurso interposto, ao Tribunal competia a análise dos pontos controvertidos do processo, em razão do reexame necessário, pois, de acordo com as disposições do artigo 475 do CPC, "há a devolução obrigatória da apreciação da matéria para o tribunal ad quem" (in Pontes de Miranda, "Comentários ao Código de Processo Civil", tomo V, 1974, Forense, p. 218).

Recurso especial provido para reconhecer que, a teor da decisão proferida pela egrégia Corte a quo, houve inversão dos ônus sucumbenciais no percentual fixado na sentença.[7] (sem grifo no original)

Por outro lado, pequena parcela da doutrina vê o reexame necessário como condição de existência da sentença, e não de eficácia. Para essa corrente, “sendo o reexame integrativo de certeza da sentença de primeiro grau, não se pode alegar que ela é existente se permanece a causa sem ser submetida ao reexame” (TOSTA, 2005, p. 150).

Para Seabra Fagundes,

Ao estipular a lei que de determinada sentença caberá recurso necessário, condiciona a integração e, consequentemente, a validez do pronunciamento jurisdicional ao dúplice exame da relação jurídica. Por imposição do seu texto, não haverá sentença, como ato estatal de composição da lide, antes que a segunda instância confirme ou retome o que na primeira se decidiu. Haverá um pronunciamento jurisdicional em elaboração, por ultimar, pendente de ato posterior necessário. O julgado estará incompleto, como se diz em acórdão do Supremo Tribunal Federal. É o que se infere da natureza e finalidade desse recurso de exceção (SEABRA FAGUNDES, 1946, p. 193-194).

4.5.        Teoria da condição de eficácia ex lege

Por fim, essa teoria, capitaneada por Jorge Tosta (2005, p. 151 e 167), que refuta todas as anteriores, prega que “o reexame não passa de uma condição suspensiva ex lege que, repita-se, em nada difere da que também está sujeita a sentença contra a qual foi interposto recurso”.

Para o citado jurista, “(...) o reexame necessário é um mero instrumento legal de prolongamento do estado natural de ineficácia de algumas sentenças” (TOSTA, 2005, p. 167). Ou seja, o reexame necessário apenas evita a coisa julgada. Ele não impede a execução provisória da sentença nos casos em que a lei deu à própria sentença eficácia imediata uma vez publicada como, por exemplo, nos casos dos incisos I a VII do artigo 520 do CPC. Significa que essa eficácia não é suspensa pelo reexame necessário.

Na verdade, Jorge Tosta faz uma retificação na teoria da condição da eficácia da sentença, ao afirmar que a ineficácia da sentença irá ocorrer se o recurso voluntário cabível (seja ele apresentado ou não) detiver efeito suspensivo capaz de inibir eventual execução provisória. Em situação inversa, não tendo a apelação voluntária possibilidade de afastar (ordinariamente) a execução provisória, não se poderia cogitar em remessa como condição suspensiva de ineficácia da sentença (MAZZEI, 2011, p. 170).

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Rafael Sérgio Lima de Oliveira não vê diferença na distinção adotada por Jorge Tosta entre o reexame necessário como condição para a eficácia da sentença e a figura da condição suspensiva ex lege. Para ele, ambas as figuras impedem a produção dos efeitos do mesmo modo que o efeito suspensivo dos recursos. Ou seja, assim como os recursos, o duplo grau obrigatório às vezes não é dotado de efeito suspensivo (OLIVEIRA, 2011, p. 170).


5.    Efeitos do reexame necessário

Em que pese o duplo grau de jurisdição obrigatório ter sido excluído do capítulo destinado aos recursos, merecem ser pesquisados seus efeitos tendo em vista que sua aplicação ocasiona uma revisão do julgado pela instância superior. Para tanto, a doutrina tem se utilizado da classificação dos efeitos dos recursos (devolutivo, translativo, suspensivo, expansivo e substitutivo) e analisado se incidem ou não na remessa necessária.

O efeito devolutivo, inerente aos recursos, já é passível de ter sua incidência descartada de antemão, uma vez que está umbilicalmente ligado ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum e ao princípio dispositivo. Ou seja, o juízo ad quem apenas analisa a matéria objeto de impugnação. “Há, por assim dizer, à semelhança do que ocorre com o juiz em relação ao pedido inicial, o que se pode denominar de princípio da adstrição do juízo ‘ad quem’ à impugnação” (TOSTA, 2005, p. 85). Desse modo, a devolutividade é inaplicável ao reexame necessário tendo em vista que o Tribunal ad quem irá analisar a parte da decisão que prejudicou a Fazenda Pública mesmo que não tenha havido impugnação desta.

O efeito translativo, informado pelo princípio inquisitório, é, por sua vez, aplicável no reexame necessário. Na prática, o que ocorre é a translatividade das matérias decididas contrariamente à Fazenda. “Diante da indisponibilidade do interesse público versado no processo, a legislação autoriza o Tribunal Superior a fazer o reexame, mesmo quando não há impugnação da Fazenda Pública” (OLIVEIRA, 2011, p. 171).

Todavia, essa translatividade não é ampla, “(...) ela é restrita à parte que prejudicou a Fazenda Pública (rectius: julgou contra a Fazenda). Logo, não se translada para o Tribunal as questões decididas em prol da Fazenda” (TOSTA, 2005, p. 171). Corolário do exposto é a Súmula 45[8] do STJ, que proíbe a reforma da sentença para piorar a situação da Fazenda Pública.

De fato, como também já se anotou, o reexame necessário existe como mecanismo destinado à proteção mais reforçada dos interesses da Fazenda Pública, que poderiam, em tese, restar prejudicados por decisão de instância originária, monocraticamente proferida, e que transitasse em julgado por falta de interposição de recurso.

Em virtude desta sua finalidade, resta claro que a situação da Fazenda Pública não pode ser agravada pela decisão proferida ao realizar-se o reexame necessário. Se existe para beneficiá-la, não faria sentido que por seu intermédio se alcançasse justamente o resultado inverso. (DECOMAIN, 2012, p. 115).

Entretanto, desse entendimento não compartilha Nelson Nery Junior (2003, p. 813). Para ele, no reexame obrigatório, o efeito translativo é pleno, estando o Tribunal autorizado a examinar integralmente a sentença, podendo modificá-la total ou parcialmente, inclusive agravando a situação da Fazenda Pública (NERY JUNIOR; NERY, 2003, p. 814).

(...) é manifestação do efeito translativo no processo civil: transfere-se o conhecimento integral da causa ao tribunal superior, com a finalidade de estabelecer controle sobre a correção da sentença de primeiro grau. Daí por que, mesmo sem recurso das partes, pode haver modificação parcial ou total da sentença, mesmo em detrimento da Fazenda Pública. Fosse a remessa necessária decorrência do efeito devolutivo em favor da Fazenda, aí sim não poderia haver piora de sua situação processual. Por esta razão é incorreto o fundamento do Verbete 45 da súmula do STJ, que diz não poder haver piora da situação da Fazenda Pública no julgamento da remessa necessária (NERY JUNIOR, 2004, p. 95).

Desse entendimento também compartilha Araken de Assis (2007, p. 95-96):

Conferir-se à remessa necessária efeito translativo ‘pleno’ porém secundum eventum afigura-se-nos contraditório e inconstitucional. Contraditório porque, se há translação ‘ampla’, não pode ser restringida à reforma em favor da fazenda; inconstitucional porque, se secundum eventum, fere a isonomia das partes no processo.

A jurisprudência do STJ, no entanto, filia-se à translatividade restrita, pois não é da natureza do instituto o beneficium commune. Em que pese extensa a ementa do acórdão proferido no Recurso Especial 1.233.311/PR, em que foi Relator o Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 24.05.2011, ela merece ser transcrita, eis que bastante elucidativa à compreensão da matéria ora analisada.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRELIMINAR DE OFENSA AO ART. 475 DO CPC. NÃO ACOLHIMENTO. PARTICULAR QUE NÃO APELOU DA SENTENÇA NA PARTE EM QUE RESTOU SUCUMBENTE. LIMITES DA DEVOLUTIVIDADE DO REEXAME NECESSÁRIO: QUESTÕES JULGADAS EM PREJUÍZO DA FAZENDA PÚBLICA. SÚMULAS 45 E 325 DO STJ. ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO DE BARBOSA MOREIRA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC.

1. Não obstante a controvérsia doutrinária e jurisprudencial que existe sobre os limites da matéria devolvida e em relação à própria existência do reexame necessário, a orientação deste Tribunal firmou-se no sentido de que, "no reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Publica" (Súmula 45/STJ), sendo que "a remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado" (Súmula 325/STJ).

2. Isso porque o reexame necessário é instituto destinado a proteger o interesse público, razão pela qual a devolutividade é restrita às questões que foram decididas em prejuízo da Fazenda Pública.

3. Há muito esta Corte tem entendido que: (a) "o reexame necessário, inclusive o previsto no art. 1º da Lei nº 8.076/90, é beneficio que aproveita somente as entidades da Administração Publica" (REsp 33.433/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 30.8.93);

(b) "no reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta a fazenda publica" (REsp 57.118/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJ de 13.2.95); (c) "a remessa oficial, por si, não autoriza o tribunal 'ad quem' a manifestar-se sobre todas as questões postas em juízo" (REsp 60.314/MS, 1ª Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 25.3.96); (d) "O reexame necessário é estabelecido a beneficio das pessoas jurídicas de direito publico", de modo que, "se a parte que litiga contra estas não apelou, a condenação que sofreram não pode ser agravada pelo tribunal, sob pena de 'reformatio in pejus'" (REsp 111.356/SP, 1ª Turma, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ de 19.5.97).

4. Destaca-se, no âmbito doutrinário, a lição de José Carlos Barbosa Moreira: "A obrigatoriedade do reexame em segundo grau das sentenças contrárias à Fazenda Pública não ofende o princípio da isonomia, corretamente entendido. A Fazenda não é um litigante qualquer. Não pode ser tratada como tal; nem assim a tratam outros ordenamentos jurídicos, mesmo no chamado Primeiro Mundo. O interesse público, justamente por ser público — ou seja, da coletividade como um todo — é merecedor de proteção especial, num Estado democrático não menos que alhures. Nada tem de desprimorasamente 'autoritária' a consagração de mecanismos processuais ordenados a essa proteção".

5. Com amparo no entendimento jurisprudencial deste Tribunal e na doutrina citada, é imperioso concluir que, em se tratando de sentença parcialmente desfavorável à Fazenda Pública, em face da qual não foi apresentada apelação pelo particular, o exame da matéria pelo órgão ad quem limita-se à parte em que sucumbiu a Fazenda Pública, porquanto defeso ao tribunal piorar a sua situação. O não exame da parte em que sucumbiu o particular — que não apelou — não implica violação do art. 535 do CPC, sobretudo em razão dos limites da matéria devolvida. A regra proibitiva de agravamento da situação da Fazenda Pública é estendida a eventual recurso apresentado em face do acórdão proferido em sede de reexame necessário, razão pela qual não pode o particular — que não apelou — suscitar, em sede de recurso especial, eventual afronta a dispositivo de lei federal, em relação à parte da sentença que ele (particular) restou sucumbente. Ressalte-se que eventual provimento de tal recurso violaria, indiscutivelmente, o disposto no art. 475 do CPC e afrontaria a jurisprudência deste Tribunal, consolidada nas Súmulas 45 e 325 do STJ.

6. No caso concreto, em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos à execução fiscal, o ora recorrente (particular) não apelou, suscitando as questões em relação às quais restou sucumbente na sentença em sede de embargos de declaração. Nesse contexto, o Tribunal de origem tratou de modo adequado da questão ao afirmar que "não há omissão pela ausência de reexame integral da sentença, visto que a remessa oficial é relativa somente à parte da sentença que foi desfavorável ao ente público (União) que se beneficia do reexame".

7. Por fim, cumpre registrar que o entendimento adotado não conflita com o disposto na Súmula 423/STF ("Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso 'ex officio', que se considera interposto 'ex lege'") nem com o acórdão proferido no REsp 905.771/CE (Corte Especial, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 19.8.2010), o qual pacificou entendimento no sentido de que, havendo reexame necessário, a ausência de anterior apelação por parte da Fazenda Pública não configura preclusão lógica para eventuais recursos subsequentes, sobretudo recurso especial.

8. Recurso especial não provido, no que se refere às preliminares de ofensa aos arts. 475 e 535 do CPC. Recurso não conhecido em relação às demais questões suscitadas, que foram decididas em prejuízo do particular que não apelou da sentença. (sem grifo no original)

Outro efeito que merece ser analisado é o efeito suspensivo. “Com a suspensividade, a sentença sujeita ao reexame necessário não pode ser executada provisoriamente” (OLIVEIRA, 2011, p. 172).

Jorge Tosta (2005, p. 181) ressalta que não é o reexame necessário que o possui, mas é a própria sentença que, por sua natureza, não tem aptidão para produzir efeitos senão depois de confirmada pelo Tribunal. O que a remessa obrigatória faz, assim como o recurso de apelação, é prolongar esse estado de ineficácia da sentença.

Em contrapartida, há casos em que a própria lei estabelece que a sentença produzirá efeitos tão logo publicada. É o caso dos incisos I a VII do artigo 520 do CPC, em que a apelação será recebida apenas em seu efeito devolutivo. Nesses casos, “o reexame necessário não obstará tais efeitos, servindo apenas para evitar a formação da coisa julgada” (TOSTA, 2005, p. 182).

De maneira peculiar, no reexame necessário, se manifesta o efeito expansivo, o qual também é decorrência do princípio inquisitório e apenas incide se previsto em lei. É o que ocorre com as questões de ordem pública, que podem ser conhecidas e acolhidas pelo Tribunal em reexame necessário mesmo com prejuízo à Fazenda Pública. Percebe-se, assim, que o reexame necessário leva ao conhecimento do Tribunal não apenas a reapreciação das questões contrárias à Fazenda, mas também as questões de ordem pública, ainda que não decididas pelo juízo a quo (TOSTA, 2005, p. 183-184).

Por fim, o efeito substitutivo sempre existirá, uma vez que com o reexame obter-se-á um ato novo substitutivo ao primeiro (ASSIS, 2007, p. 851).

Para Tosta (2005, p. 31), o efeito substitutivo só irá operar quando o julgamento do mérito do recurso coincide com o objeto submetido à apreciação do juízo a quo. Se o Tribunal se limitou a anular a decisão prolatada pelo juízo a quo, não chegando a apreciar o objeto litigioso discutido em primeiro grau, não haverá substituição.

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Sobre a autora
Marianna Martini Motta

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria- UFSM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTTA, Marianna Martini. Do reexame necessário à luz da Constituição Federal:: tratamento desigual (i)legítimo da Fazenda Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3823, 19 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26194. Acesso em: 17 mai. 2024.

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