Minha televisão deu defeito exatamente um mês após o término do período da garantia. E agora? Qual meu direito?

20/03/2024 às 18:32
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O DIREITO DO CONSUMIDOR tem imensa importância na medida em que a todo momento estamos consumindo - muitas vezes até sem nos darmos conta disso. O conjunto de normas estabelecido com a Lei 8.078/90 visa proteger a parte mais fraca na relação de consumo (o consumidor), em evidente cumprimento à norma constitucional cravada no inciso XXXII do artigo 5º da Carta Social de 1988. O artigo 1º do nosso CDC informa com clareza: "Art. 1º. O presente código estabelece normas de proteção e defesa do CONSUMIDOR, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias".

O consumo faz parte da vida, do viver em sociedade - notadamente hoje em dia com o agressivo assédio que sofremos diuturnamente, especialmente através da "vida conectada". Não parece restar dúvida que regras precisam ser estabelecidas e cumpridas diante do evidente desequilíbrio na relação que gira em torno do Consumo.

A questão da GARANTIA dos produtos colocados no mercado de consumo com certa frequência é trazida a debate por conta principalmente da eventual RESPONSABILIZAÇÃO do fabricante (e também das demais partes envolvidas na cadeia de produção e comercialização do bem de consumo) depois de expiradas as "garantia legal" e eventual "garantia contratual".

Reza o par.3º do artigo 26 do CDC que "tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito", porém, se o tal "vício oculto" é percebido pelo consumidor depois de passado, por exemplo, o período total da garantia, ainda assim será possível buscar o Fabricante/Fornecedor do produto para sua responsabilização diante da constatação do defeito?

Inicialmente é preciso compreender que "vício oculto", diferentemente do "vício aparente", só se manifesta (e então será percebido pelo consumidor) depois de certo tempo de uso, sendo difícil sua constatação de imediato pelo consumidor, como ocorre naturalmente com um vício aparente. O CDC traz como regra prazos para a reclamação quanto aos vícios em seu artigo 26, todavia é importante observar que a reclamação quanto aos vícios ocultos deve ser contada A PARTIR DO MOMENTO EM QUE FICAR EVIDENCIADO (e for percebido pelo consumidor) aquele defeito - como informa o referido par.3º do artigo 26 - sendo ainda mais importante observar que, diferentemente dos vícios aparentes que possuem os prazos de garantia como delimitação para exercício do "direito de reclamação" (art. 26) no caso dos vícios ocultos o critério para reclamação será a VIDA ÚTIL DO BEM, como inclusive já reconheceu o STJ diversas vezes (vide por exemplo, REsp 984106/SC. J. em: 04/10/2012).

No que diz respeito ao TEMPO DE VIDA ÚTIL dos bens de consumo podemos encontrar informação no site do IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor ( http://www.idec.org.br/uploads/testes_pesquisas/pdfs/market_analysis.pdf) onde temos por exemplo uma média de tempo de 7,6 anos para uma TELEVISÃO, 3,0 anos para um CELULAR ou SMARTPHONE, 9,5 anos para uma GELADEIRA. Dentro dessa média será possível fornecer subsídio para a aferição, diante do caso concreto, se efetivamente deverá o fornecedor, comerciante e/ou vendedor ser responsabilizado na forma do art. 18 do CDC, diante do surgimento de um vício oculto (especialmente com a substituição do produto ou a restituição imediata da quantia paga, monetariamente corrigida), além é claro de eventual responsabilização por eventuais DANOS MORAIS experimentados pelo consumidor (principalmente por todos os aborrecimentos e perda do TEMPO ÚTIL do consumidor, buscando a solução do seu problema).

A abalizada doutrina assinada pela Advogada e Jurista CLAUDIA LIMA MARQUES (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2019) a respeito da "garantia" nos vícios ocultos esclarece:

"Se o vício é oculto, porque se manifesta somente com o uso, a experimentação do produto, ou porque se evidenciará muito tempo após a tradição, o LIMITE TEMPORAL da garantia legal está em aberto, seu termo inicial. Segundo o § 3.º do art. 26, o limite temporal é a DESCOBERTA do vício, e somente a partir da descoberta do vício (talvez meses ou anos após o contrato) é que passarão a correr os 30 ou 90 dias. Será, então, a garantia legal do CDC ETERNA? Não, os bens de consumo possuem uma durabilidade determinada. É a chamada VIDA ÚTIL do produto, antes comentada e hoje aceita no STJ. Se se trata de videocassete, por exemplo, sua vida útil seria de 8 anos aproximadamente; um DVD, de cinco anos; se o vício oculto se revela nos primeiros anos de uso, há descumprimento do dever legal de qualidade, há responsabilidade dos fornecedores para sanar o vício. (...) Se o vício aparece no fim da vida útil do produto, a garantia ainda existe, mas começa a esmorecer, porque se aproxima o fim natural da utilização dele, porque o produto atingiu já DURABILIDADE NORMAL, porque o uso e o desgaste como que escondem a anterioridade ou não do vício, são causas alheias à relação de consumo, como que se confundem com a agora revelada inadequação do produto para seu uso normal. É a" morte "prevista dos bens de consumo".

Como aponta a ilustre professora, caberá ao Judiciário verificar se o dever do fornecedor de qualidade (durabilidade e adequação) foi cumprido diante do caso concreto e suas particularidades - sendo correto afirmar, portanto, que a "garantia legal de adequação" dos produtos com vício oculto tem um limite temporal, qual seja a VIDA ÚTIL DO PRODUTO, que deve ser analisada caso a caso.

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POR FIM, acertada decisão do TJRJ em perfeita consonância com doutrina e jurisprudência, reconhecendo a responsabilidade do Fornecedor por vício oculto mesmo depois de expirada a "garantia":

"TJRJ. 02039390620178190001. J. em: 19/10/2020. APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. AQUISIÇÃO DE PRODUTO TV DE LED 40". PLACA QUE QUEIMOU APÓS UM ANO E ONZE MESES DA DATA DE AQUISIÇÃO DO PRODUTO. VÍCIO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS FORNECEDORES DO PRODUTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 18, DO CDC. LEGITIMIDADE ATIVA DA AUTORA. O PRODUTO FOI ADQUIRIDO JUNTO AO COMERCIANTE, NO DIA 21.07.2015, NÃO SENDO RAZOÁVEL, QUE EM MENOS DE DOIS ANOS (UM ANO E ONZE MESES APROXIMADAMENTE), O TELEVISOR APRESENTE UM VÍCIO OCULTO (QUEIMA DA PLACA PRINCIPAL), OBRIGANDO O CONSUMIDOR A ARCAR COM O CUSTO DA PLACA (R$ 650,00). O SURGIMENTO DO VÍCIO OCULTO LOGO APÓS A EXPIRAÇÃO DO PRAZO DE GARANTIA, NÃO É FATO EXCLUDENTE DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA FABRICANTE (APELANTE), DIANTE DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA E DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS, QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O "TEMPO DE VIDA ÚTIL DO BEM", E DIANTE DA REGRAS DE EXPERIÊNCIA COMUM, NÃO É RAZOÁVEL QUE A PLACA PRINCIPAL DE UM TELEVISOR TENHA UMA DURABILIDADE MÁXIMA DE UM ANO E ONZE MESES APROXIMADAMENTE. DANO MORAL CONFIGURADO. APELO DESPROVIDO".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

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