Tempo de Uso dos Celulares e o Direito ao Sono

26/02/2024 às 09:47
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Cada produto ou serviço lançado por uma empresa carrega consigo um universo de oportunidades, mas também de responsabilidades, afinal as estratégias de marketing para os mesmos, bem como a usabilidade e consumo implica em uma série de direitos do consumidor que precisam ser respeitados, e que desde a sua aquisição tornam os fornecedores responsáveis.

No momento em que a nova economia desenha como caminho obrigatório a conversão de tudo ou quase tudo para as telas dos nossos celulares, e logo na palma da nossa mão desfilam todos os tipos de “utilidades”, das redes sociais aos aplicativos de bandos e de notícias, tudo minuciosamente estudado para retenção da nossa atenção, abre-se um desafio, qual o limite entre o marketing e a saúde na retenção da nossa atenção? Qual o limite legal?

Nesse artigo, nos detemos apenas no grande ladrão do nosso tempo (nossa atenção), as redes sociais, mas isso pode ser estendido para qualquer site, ou para os games digitais. Façamos um exercício, identificando nesse momento, quantos aplicativos de redes sociais estão instalados no seu celular? Quantas dessas redes você acessa diariamente? E se você for em seu celular no tempo de uso, quantas horas semanais do seu tempo você dedica as redes sociais? Certamente o menor levantamento de horas que você apure vai lhe deixar chocado, pelo tempo que a maioria das pessoas se dedica a elas.

Quando as primeiras redes sociais surgiram, seja por sua limitação ou pela pouca atratividade como no caso do Orkut se desenhava ali um novo modelo de economia na disputa pela sua atenção.

Uma economia que vive notadamente do seu tempo e dos seus dados, e que não poupa esforços na disputa por esse cada vez mais escasso ativo, o tempo. Logo o regramento jurídico deve evoluir para essas relações, que se alimentam corporativamente do nosso tempo para captura dos nossos dados, de onde se extrai não apenas quem somos, mas as nossas preferências, gostos e predileções, tudo com o objetivo de interferir nessas escolhas dentro da sua lógica corporativa.

Não existe pecado em vender um produto ou serviço, não existe transgressão moral ou legal nesse esforço, porém a forma de fazê-lo é que precisa ter limites, para que a transparência e a ética estejam presentes nessa relação.

O problema está sempre em qual o limite, do uso desses equipamentos, e o que fica entre a disciplina de não ligarmos esses aparelhos e as ferramentas de marketing pra tornar o hábito de abrir nossos celulares a todo momento e lugar de maneira desmedida. Segundo um trabalho publicado na Sleep Epidemiology, viciados em mídias sociais sofrem muito. Um novo estudo, feito por cientistas da USP e da Unifesp, 65,5% dos brasileiros relatam problemas relacionados ao sono.

As mulheres são as mais afetadas: respondem por um terço dos casos, um dado recorrente em outros estudos nacionais e internacionais. Sofrem também os aficionados em mídias sociais, que não conseguem deixar de lado os smartphones nem na hora de ir para a cama. O novo trabalho, revelou ainda algo pouco comum: um aumento dos problemas de sono entre homens jovens, o que costuma ser raro.

Os chamados transtornos do sono são, basicamente, apneia, síndrome das pernas inquietas, narcolepsia e, o mais comum de todos, insônia. Mas as pessoas podem ter um sono ruim por vários outros fatores.

São vários os fatores que contribuem para isso, como estilo de vida, problemas financeiros, dificuldades de agenda, insegurança, ansiedade, depressão, obesidade, conectividade excessiva, explica.

O trabalho mostrou que os fatores mais citados como responsáveis pela qualidade ruim do sono são: o diagnóstico de insônia, o uso de mídias interativas pouco antes de dormir e a ausência do parceiro na mesma cama. Isso mesmo: os brasileiros dormem pior quando não estão acompanhados.

O sono é fundamental para a saúde física, o bem-estar, a performance cognitiva e o funcionamento diário mais básico. Pessoas que não dormem bem têm mais tendência a apresentar problemas cardiovasculares e obesidade.

O tempo esse ativo intangível, um presente de nossa existência terrena, que precisa ser ressignificado. O tempo é igualmente dividido de forma cartesiana para você ou para o seu vizinho, o valor dele sempre será na escolha das suas atenções, ou das suas desatenções.

Por isso nasce a importância do controle do tempo que dedicamos as redes sociais e outros usos que fazemos de celulares, tablets e outros dispositivos, que são consumidores vorazes das nossas preciosas horas, minutos e segundos, de onde trocamos o olhar de amados, de paisagens e memórias afetivas para saber o que o distante amigo digital resolveu almoçar no dia de domingo, em qual praia foi ou qual vinho escolheu para beber. A vida é o caminhar das escolhas e da valoração dessa comoditie chamada tempo.

Segundo uma pesquisa realizada em janeiro de 2021 pela agência We are Social e pela plataforma Hootsuite, no ranking de tempo de uso da internet em dispositivos diversos, o Brasil está em segundo lugar,. Com 10h08 de uso diário, em média, só perdemos para as Filipinas neste levantamento feito com pessoas de 16 a 54 anos, sendo que a média global são 6h54 diárias. Já na pesquisa da Kantar Ibope Media, divulgada em março, 69% das pessoas que acessaram a internet por dispositivos móveis afirmaram não viver sem ela no celular.

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O tempo dispendido, em muitos casos gera dependência e dependentes patológicos manifestam sintomas de ansiedade, angústia e nervosismo, como suor e tremores, quando percebem que estão impossibilitados de usar a tecnologia e necessitam de tratamento com medicamentos e terapias. Logo quanto mais tempo nesse universo digital, mais distante nos colocamos no plano físico, a assepsia das relações digitais ergue um muro no mundo real com relações cada vez mais distantes e mais vazias, onde curtidas são confundidas com aceitação e comentários com concordância, alimentando sua bolha.

A educação digital, como instrumento de saúde pública deveria ser estendido para controle dos aparelhos e limitações de tempos de uso para muitos aplicativos, como jogos por exemplo, pois crianças hoje consomem horas do seu dia em jogos sem qualquer controle.

A saúde e o bem-estar são valores da nossa Magna Carta, no seu Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Logo os desenvolvedores de aplicativos, precisam estabelecer o que seria um limite saudável para seu uso, e ampliara as ferramentas de controle de um uso saudável desses dispositivos.

As novas tecnologias exigem um aperfeiçoamento dos nossos diplomas normativos, em nome da vida desgrudada das telas que sugam nosso tempo e a nossa saúde.

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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