Manifestação tardia dos sintomas de silicose: um estudo de caso sobre a (im)possibilidade de cumulação da aposentadoria com o benefício de auxílio-acidente para trabalhadores portadores de silicose

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Beatriz Cristina Barbieri Büerger1

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca discutir se a possibilidade ou não da cumulação da aposentadoria com o benefício de auxílio-acidente para os trabalhadores portadores de silicose, nos casos em que há manifestação tardia dos sintomas da doença.

Para tanto, será realizada uma análise crítica do acórdão proferido pela 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, de relatoria do Juiz de Direito Convocado Ronaldo Claret de Moraes, cujo julgamento ocorreu em 09/02/2017, nos autos de n.º 0012005-55.2011.8.13.0188.

A priori, o autor José Rocha de Oliveira promoveu ação de concessão de auxílio-acidente em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social, perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Nova Lima, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, alegando, em suma, que durante o exercício de sua atividade laborativa junto à antiga empregadora Mineração Morro Velho S/A.

Aduziu o autor ter sido exposto às poeiras sílicas durante o exercício de suas atividades mineradores no período de 02/01/1973 a 30/04/1987 e 21/07/1987 a 07/08/1990, ou seja, por pelo menos quinze anos, enquanto desempenhando a função de mineiro, esteve exposto à inalação constante de pó de sílica, cujos sintomas somente foram ser conhecidos após o seu afastamento das suas atividades habituais.

A Juíza Myrna Fabiana Monteiro julgou improcedente os pedidos do autor, alegando que para o beneficiário acumular o auxílio-acidente com os proventos de aposentadoria, seria imprescindível que a eclosão da lesão incapacitante, ensejadora do direito ao auxílio-acidente, fosse anterior à alteração do artigo 86, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, o que não observou no caso em particular, e, portanto, não reconheceu a tese autoral.

Ato contínuo, o autor interpôs Apelação Cível, asseverando ser portador de silicose, doença pulmonar obstrutiva, que possui caráter irreversível, pugnando pela reforma da sentença e que fossem julgados integralmente procedentes os pedidos exordiais, com a consequente concessão da benesse de auxílio-acidente.

O acórdão proferido pelo Juiz de Direito Convocado, Ronaldo Claret de Moraes reformou a sentença, reconhecendo o direito ao auxílio-acidente, tendo o Desembargador Maurílio Gabriel votou de acordo com o relator, enquanto o segundo vogal, Desembargador Tiago Pinto proferiu voto divergente, opinando pelo improvimento do recurso e pela manutenção da sentença a quo.

A partir desta decisão, portanto, será analisada a jurisprudência dominante e a doutrina quanto ao tema a fim de se fazer uma análise crítica do julgado do Tribunal, visando esclarecer a possibilidade de percepção de auxílio-acidente decorrente de sequelas da doença ocupacional adquirida, a silicose, bem como, a sua (im)possibilidade de cumulação do benefício com eventual aposentadoria.

O presente artigo se encerra com a conclusão, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, acompanhados da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o auxílio-acidente aos trabalhadores vitimados por exposição à poeira sílica e suas sequelas com manifestação tardia, cuja repercussão pode ou não ser afetada pela vigência da Lei n. 9.528/1997, que alterou o art. 86, § 2º da Lei n. 8.213/1991, determinando o cancelamento do benefício de auxílio-acidente, em caso de aposentadoria.

Este estudo monográfico sintetizará os entendimentos predominantes da doutrina e da jurisprudência, limitados às indicações constantes nas referências contidas no trabalho.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Apresentação do caso

Trata-se de ação de concessão de auxílio-acidente protocolada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, cujos autos do processo físico é n.º 0012005-55.2011.8.13.0188, em que o autor alega ser portador de silicose, uma doença pulmonar obstrutiva de caráter irreversível, tendo adquirido a referida enfermidade em razão do trabalho exercido em uma mineradora durante o período de quinze anos.

A doença que acomete o autor tem como consequência a limitação para o exercício de atividades laborais. O relator do acórdão em análise, o Juiz de Direito Convocado Ronaldo Claret de Moraes2 sintetizou as principais sequelas relatadas pelo autor na petição inicial:

Suscitou que até hoje sofre com os sintomas da Silicose, como perda da resistência física, tontura, falta de ar, fadiga, perda de peso, dor nas pernas, dor de cabeça, insônia, tosse seca e constante, dor na nuca, cor na parte superior das costas e do peito, dentre outros, além da perda parcial da audição e de problemas na visão por causa do barulho das máquinas e o contato da visão com a poeira da mina.

Assim, em razão da redução de capacidade laborativa, e, por fazer jus ao benefício de auxílio-acidente, ajuizou a ação visando efetivar o seu direito.

Por sua vez, o auxílio-acidente é um benefício previdenciário, com previsão legal no art. 86 da Lei 8.213/1991, sendo regulamentado pelo art. 104 do Decreto 3.048/99.

É considerado um benefício não programado, em razão da sua finalidade se destinar a cobrir infortúnios não planejados e os seus sociais, que podem ser de causas diversas ou decorrentes de acidente de trabalho3.

A silicose, que acomete o autor da demanda, é uma doença pertencente ao grupo das pneumoconioses, que são as doenças pulmonares causadas pela inalação de poeiras, é uma doença evitável, sem tratamento específico, e, portanto, irreversível, podendo progredir de forma gravosa, interrompendo a capacidade laborativa, causando impactos socioeconômicos, e, em algumas situações, pode evoluir até para uma morte por insuficiência respiratória4.

No território brasileiro, a silicose está em primeiro lugar na prevalência das pneumoconioses, em razão de altas estatísticas referente aos trabalhadores expostos em contato direto com a sílica5.

O Ministério da Saúde, através da Portaria n. 1339, de 18 de novembro de 1999, relacionou a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho6, publicada em 1999, em que constavam as principais doenças relacionadas à exposição à sílica, a saber:

Neoplasia maligna dos brônquios e do pulmão (C34.-), Cor Pulmonale (I27.9), Outras Doenças Pulmonares Obstrutivas Crônicas (Inclui "Asma Obstrutiva", "Bronquite Crônica", "Bronquite Obstrutiva Crônica") (J44.-), Silicose (J62.8), Pneumoconiose associada com Tuberculose ("Sílico-Tuberculose") (J63.8), Síndrome de Caplan (J99.1; M05.3).

De acordo com Elizabeth Dias et al7, algumas atividades no Brasil são consideradas fontes potenciais para a exposição à poeira de sílica no Brasil, sendo que a indústria extrativa de mineração está entre as principais.

A ação destrutiva da exposição pode passar despercebida em razão da ausência do cheiro, e pela falta de visibilidade ao olho humano, e sua manifestação pode se tardia, conforme elucidam Luz e Martoni8 em seu estudo:

Dentre os riscos químicos a que estão expostos os trabalhadores, a exposição via respiratória é de grande importância, pois a penetração do agente por esta via nem sempre evidencia a sua ação destrutiva. É o que acontece com as poeiras. Muitas vezes não são percebidas em razão da ausência de cheiro ou porque, em diversos casos, são de tamanho não visível ao olho humano e, ainda, seu efeito nos pulmões somente será sentido depois de muitos anos.

A apresentação clínica da silicose dependerá da intensidade e duração da exposição às partículas de sílica, e, sendo assim, Gutierrez et al9 elucidam as três formas de manifestação:

A forma aguda ocorre, geralmente, após meses ou poucos anos de exposição elevada a partículas de sílica. Normalmente, ocorre rápida evolução para o óbito. A forma acelerada surge, geralmente, após um período de exposição de dez anos. A forma crônica, que é a mais comum, costuma aparecer depois de muitos anos de exposição de baixa intensidade a partículas de sílica cristalina.

Conforme denota-se, a forma crônica do acometimento da doença costuma manifestar sintomas após muitos anos de exposição de baixa intensidade às partículas da sílica cristalina.

Assim sendo, em razão da manifestação tardia da silicose, tais sintomas tardios repercutem juridicamente em direitos sociais dos segurados da Previdência Social, em especial na concessão de auxílio-acidente para segurados já aposentados, e/ou no cancelamento do benefício de auxílio-acidente quando houver a concessão da aposentadoria, à exemplo do caso proposto ao estudo, em que pretende-se verificar a possibilidade de cumulação dos dois benefícios, quando o fato gerador tiver ocorrido antes da vigência da Lei n. 9.528/1997.

Isto porque, o ordenamento jurídico prevê o cancelamento do benefício de auxílio-acidente, em caso de aposentadoria, nos termos do art. 86, § 2º da Lei n. 8.213/1991, com redação dada pela Lei n. 9.528/1997.

2.2 Entendimento doutrinário

Presentemente, o auxílio-acidente é o único benefício com natureza exclusivamente indenizatória, em que o segurado possui uma sequela decorrente de algum acidente que reduziu a sua capacidade laborativa, e, então, presumindo uma perda remuneratória, cabe ao seguro social o ressarcimento do potencial dano, independente da comprovação da real perda remuneratória10.

Denota-se que com a vigência da Lei 9.528/1997, ficou vedado a acumulação do auxílio-acidente com qualquer aposentadoria, porém, como compensação, ficou estabelecido que o valor mensal do auxílio-acidente no salário-de-contribuição, para fins de salário de benefício de qualquer aposentadoria. Deste modo, buscou o legislador amenizar os efeitos desta nova norma, que afastou a vitaliciedade do auxílio-acidente, porém, garantindo uma espécie de plus salarial no valor da aposentadoria dos segurados11.

Como visto, a legislação atualmente veda a acumulação benesse com qualquer aposentadoria, ou seja, ao se aposentar, o segurado perde o benefício, apesar de ser somado ao seu salário-de-contribuição para fins de cálculo do salário de benefício. Leciona Fábio Ibrahim12 acerca do entendimento anterior do STJ sobre o tema:

O STJ, durante algum tempo, entendia de forma diversa, afirmando que "a moléstia acidentária acometido o autor antes da vigência da Lei nº 9.52 8/97, que proíbe a cumulação do auxílio-acidente com qualquer aposentadoria, em respeito ao princípio do tempus regit actum, deve ser garantida a percepção dos benefícios pleiteados”.

No entender do STJ, portanto, se o acidente tivesse ocorrido anteriormente à inovação de 1997, teria assegurado o direito ao recebimento vitalício da benesse.

Porém, segundo ao professor Fábio Ibrahim13, a partir de 2013, a Corte passou a adotar outra posição, baseada no Parecer/MPS/CJ/2534/2001, de que, mesmo os benefícios concedidos anteriores à vigência da Medida Provisória 1.596-14/97, não seriam acumuláveis com aposentadoria superveniente àquela norma, pois não haveria o que se falar em direito adquirido.

Na mesma linha do entendimento jurisprudencial supracitado, o STJ firmou o entendimento ao julgar o Tema Repetitivo n. 555, no RESP 1.296.673/MG, de relatoria do Ministro Herman Benjamin14, de que, desde que o momento da lesão e a aposentadoria tenham sido concedidos antes da vigência da Lei n. 9.528/1997, seria permitida a percepção cumulativa dos benefícios.

2.2 Identificação das normas que regulamentam a matéria

Segundo ao art. 19 da Lei n.º 8.213 de 1991, o acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho, a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho.

Ainda, há as doenças ocupacionais, que são aquelas que ocorrem em virtude da atividade laborativa desempenhada pelo indivíduo, que são divididas em doenças profissionais e do trabalho15.

De outro lado, a doença de trabalho é aquela que pode ser adquirida ou desencadeada em razão de condições especiais em que o trabalho ou atividade que a ele se relacione16:

Imperioso mencionar que, ainda que uma doença não conste no Regulamento, a Previdência deverá reconhecer a natureza ocupacional se restar comprovado que, a doença foi adquirida ou desencadeada pelas condições especiais do trabalho a que foi submetido aquele segurado, nos termos do § 2º do art. 20 da Lei n. 8.213/199117:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Além disto, de acordo com o Parecer nº 17/2013/CONJUR-MPS/CGU/AGU, aprovado pela Portaria do Ministério da Previdência Social nº 264, de 28 de maio de 2013, o rol das sequelas exemplificadas no anexo III do Decreto 3.048/99 é meramente exemplificativo, não podendo obstaculizar o direito do segurado que faz jus ao benefício por preenchidos os requisitos legais.

Neste ensejo, aos empregados que são submetidos às situações acima exemplificadas, é que surge o eventual direito ao benefício-acidente, se presentes os demais requisitos previstos no art. 86 da Lei 8.213/1991, que prevê:

O auxílio-acidente será concedido como indenização, ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar sequelas que impliquem redução da capacidade funcional, e corresponderá a 50% (cinquenta por cento) do salário-de-benefício do segurado.

A lei supramencionada dispõe acerca dos requisitos indispensáveis para a concessão da benesse de auxílio-acidente, sendo necessário o preenchimento, simultaneamente, dos seguintes requisitos: a qualidade de segurado, diminuição da capacidade funcional, a existência de nexo causal entre a atividade laborativa do segurado e a redução de capacidade laborativa.

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O ordenamento jurídico prevê o cancelamento do benefício de auxílio-acidente, em caso de aposentadoria, nos termos do art. 86, § 2º da Lei n. 8.213/1991, com redação dada pela Lei n. 9.528/1997.

O processo proposto ao estudo, trata-se de um caso concreto diferenciado, pois em um acidente de trabalho, temos o fato gerador na data do acidente do trabalho. Por outro lado, há as doenças ocupacionais, e dentro desse gênero, há espécies de doenças com manifestação tardia de sintomas, razão pela qual, casos assim devem ser cuidadosamente analisados, sob pena de cometer-se uma injustiça para com o contribuinte do seguro social.

Desta forma, o caso em questão merece atenção justamente para que se entenda a decisão do Tribunal, e, posteriormente, uma análise crítica da solução encontrada pelos juristas, assim como uma revisão jurisprudencial em possíveis casos análogos.

2.3 Solução dada pelo Tribunal

Por ocasião do julgamento do Tema Repetitivo n. 555 no REsp 1.296.673/MG18, restou firmado o entendimento de que, os casos em que o auxílio-acidente e a aposentadoria tiverem sido concedidos anteriormente à vigência da Lei n. 9.528/1997, seria permitida a cumulação de benefícios.

No caso proposto à estudo, o relator consignou a existência de provas contundentes com a prática de atividades mineradoras exercidas pelo apelante pelo interstício de quinze anos, ponderando também que a aposentadoria ocorreu em momento anterior a 11/11/1997.

Além disto, destacou que o fato de a aposentadoria ter ocorrido na ocasião de rescisão contratual da demandante com a mineradora que prestava serviços, demonstra também que a doença ocupacional ocorreu, de fato, antes da vigência da Medida Provisória n. 1.596-14/1997, conforme trecho da prova médica pericial que transcreveu no relatório do acórdão:

8 - A(s) doença(s) nas quais o autor foi diagnosticado tem nexo de causalidade com acidente ou doença do trabalho, especialmente a silicose adquirida durante o desempenho de suas (SIC) laborativas? Resposta – Sim.

8.1 - Se positiva a resposta do quesito anterior, é possível identificar desde quando o autor contraiu essa doença do trabalho ou sofreu o acidente do trabalho ou, pelo menos, se foi data próxima de 02/01/73 a 30/04/87 e 21/07/87 a 07/08/90? Resposta - Entre as datas de admissão e demissão. (...) 4. QUAL A DATA PROVÁVEL DO INÍCIO DA DOENÇA OU AFECÇÃO? E O QUE FUNDAMENTA A SUA FIXAÇÃO? Resposta - Entre as datas de admissão e demissão, período em que manteve contato com a sílica.

Dessarte, houve a verificação da prova produzida nos autos por parte do Desembargador Relator, registrando que, apesar do diagnóstico ter sido posteriormente à data da aposentadoria, a causa da silicose ocorreu em razão dos trabalhos realizados entre 1973 a 1987 e 1987 a 1990 na Mineradora Morro Velho S/A, ou seja, antes da Lei n. 9.528/97. Ao final, consignou que o apelante fazia jus à benesse de auxílio-acidente, julgando pela reforma a sentença vergastada, conforme restou redigida a ementa do julgado19:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AUXÍLIO-ACIDENTE - SILICOSE - INCAPACIDADE LABORAL E NEXO CAUSAL COMPROVADOS - CONCESSÃO - CUMULAÇÃO COM APOSENTADORIA ESPECIAL - POSSIBILIDADE - LESÃO ANTERIOR À LEI 9.528/97. 1 - Para concessão do auxílio-acidente devem ser demonstrados três requisitos, concomitantemente: (I) a ocorrência de lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, (II) verificação de sequelas que reduzam a capacidade de trabalho exercido habitualmente e (III) nexo causal entre o acidente e as lesões. 2 - O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, em sede de recurso repetitivo, no sentido de que somente é possível a cumulação do benefício auxílio-acidente com a aposentadoria, se a eclosão da lesão incapacitante e o início da aposentadoria forem anteriores à Lei 9.528/97. (REsp 1296673/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2012, DJe 03/09/2012.) V.v.: EMENTA: APELAÇÃO-AÇÃO PREVIDENCIÁRIA- CUMULAÇÃO AUXÍLIO-ACIDENTE- APOSENTADORIA- IMPOSSIBILIDADE - ÔNUS SUCUMBENCIAIS. Para que o beneficiário possa acumular o auxílioacidente com proventos de aposentadoria é imprescindível que a eclosão da lesão incapacitante, ensejadora do direito ao auxílio-acidente, bem como assim o início da aposentadoria, sejam anteriores à alteração do artigo 86, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213, de 1991. Hipótese em que a prova pericial foi expressa ao estabelecer que o início da doença se deu posteriormente a alteração legislativa. A concessão da gratuidade de justiça não impede a condenação da parte sucumbente no pagamento dos ônus processuais, mas tão somente implica na suspensão da exigibilidade de tais ônus.

Em desacordo com o entendimento exarado pelo relator, o segundo vogal Desembargador Tiago Pinto, votou pelo improvimento do recurso, proferindo o seguinte voto:

Antes de se traçar qualquer consideração sobre a presença dos requisitos legais necessários para a concessão do auxílio-acidente, tal como previstos no artigo 86 da Lei n. 8.213, de 1991, é de se verificar se tal benefício pode ser cumulado com a aposentadoria. A esse respeito, deve-se dizer que, no julgamento do REsp 1.296.673/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 22/08/2012, DJe 03/09/2012, submetido ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, ficou assentado que "a cumulação de auxílio-acidente com aposentadoria é devida quando a lesão incapacitante e o início da aposentadoria forem anteriores à alteração do art. 86, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.213, de 1991, promovida pela Lei nº 9.528, de 1997" (citado no EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1110963/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 30/06/2015, DJe 03/08/2015). Assim, considerando que o autor foi aposentado em 01 de maio de 1987 (fl. 124), ou seja, data anterior à alteração legislativa, é de se questionar se a eclosão da lesão incapacitante foi anterior também. A resposta é negativa. A prova pericial foi expressa ao reconhecer que o início da doença se deu em período posterior ao da alteração imposta na Lei n. 8.213, de 1993. O início da incapacidade também. Veja-se: "3 - O autor tem se submetido a tratamento médico? Resposta - Sim. 3.1 - Se positiva a resposta do quesito anterior, desde quando, de que natureza e para qual finalidade? Resposta - Desde a data de 04/09/2003, tratamento de silicose. 12 - Qual a data do início da incapacidade laborativa? Justifique a sua fixação. Desde a data de 04/09/2003" (fls. 106 e 110). No momento, ao exame físico do periciando constata-se a incapacidade total e definitiva a qualquer atividade laborativa, considerando a concomitância entre a data do início da doença e data do início da incapacidade, em 2003. Então, ainda que o contato do apelante com os agentes que lhe causaram a doença tenha ocorrido quando desempenhava ele a função de trabalhador braçal em mina de subsolo nas décadas de 70 e 80 e início de 90, o início da incapacidade se deu após longo decurso de tempo. Isso porque, como o próprio apelado reconheceu, "a silicose pode se manifestar anos depois da contaminação com o pó de sílica, inclusive 10 (dez), 15 (quinze) e 20 (vinte) anos após a exposição ao agente nocivo" (fl. 132). A propósito: "Trata-se de Recurso Especial interposto pela autarquia previdenciária com intuito de indeferir a concessão do benefício de auxílio-acidente, pois a manifestação da lesão incapacitante ocorreu depois da alteração imposta pela Lei 9.528/1997 ao art. 86 da Lei de Benefícios, que vedou o recebimento conjunto do mencionado benefício com aposentadoria. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. A acumulação do auxílio-acidente com proventos de aposentadoria pressupõe que a eclosão da lesão incapacitante, ensejadora do direito ao auxílio-acidente, e o início da aposentadoria sejam anteriores à alteração do art. 86, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991" (REsp 1296673/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2012, DJe 03/09/2012). Enfim, para que o beneficiário possa acumular o auxílio-acidente com proventos de aposentadoria é imprescindível que a eclosão da lesão incapacitante, ensejadora do direito ao auxílio-acidente, seja anterior à alteração do artigo 86, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213, de 1991, o que absolutamente não se vê, in casu. "A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observado o critério do art. 23 da Lei n. 8.213/1991 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho" (Súmula 507, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/03/2014, DJe 31/03/2014). No que se refere aos ônus sucumbenciais, também sem razão o autor, ora apelante. É que a concessão da gratuidade de justiça, ou mesmo o apontamento da aplicabilidade do art. 129 da Lei 8.213, de 1991, não impedem a condenação da parte beneficiária no pagamento dos ônus processuais, mas tão somente implica na suspensão da exigibilidade de tais ônus, tal como já disposto em primeira instância. A propósito: "O benefício da justiça gratuita previsto na Lei 1.060/50 e no parágrafo único do art. 129 da Lei 8.213/91 em favor do segurado, abrange a isenção de pagamento dos ônus de sucumbência, o que não afasta a condenação da parte segurada/beneficiária no pagamento de tais verbas" (Apelação Cível 1.0245.07.131151-9/001; Relator Des.(a) Márcia De Paoli Balbino; 17ª CÂMARA CÍVEL; Data de Julgamento: 28/01/2016; Data da publicação da súmula: 12/02/2016). Isto posto, nega-se provimento ao recurso.

O Desembargador Tiago Pinto opinou pela impossibilidade de acumulação, pautando-se, principalmente no apontamento médico de que o tratamento para silicose teria iniciado em 04/09/2003, ou seja, não houve, por parte do Desembargador, menção à possibilidade de ter ocorrido sem a manifestação tardia dos sintomas, portanto, sua decisão foi baseada puramente na observação pericial sobre o início do tratamento de silicose.

O Desembargador Presidente Maurílio Gabriel determinou a suspensão do julgamento, para que fossem observadas as determinações do art. 942 do CPC, em razão da divergência de votos proferidos supracitada.

Por conseguinte, por ocasião da sessão do dia 09/02/2017, estavam presidentes os Desembargadores Antônio Bispo e José Américo Martins da Costa, que votaram de acordo com o relator.

Ao final, foi dado provimento ao recurso de apelação, restando vencido o voto do segundo vogal, o Desembargador Tiago Pinto.

2.3 Análise crítica acerca da solução dada pelo Tribunal com base na doutrina e em decisões divergentes e/ou convergentes

Denota-se que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça possui firmado o entendimento pelo Tema Repetitivo n. 555, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.296.673/MG20, representativo de controvérsia, cujo acórdão foi proferido com relatoria do Ministro Herman Benjamin, no sentido de que somente é possível a cumulação da benesse de auxílio-acidente com a aposentadoria, se a eclosão da lesão incapacitante e o início da aposentadoria forem anteriores à Lei 9.528/97, conforme restou ementado:

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS. AUXÍLIO-ACIDENTE E APOSENTADORIA. ART. 86, §§ 2º E 3º, DA LEI 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA 1.596-14/1997, POSTERIORMENTE CONVERTIDA NA LEI 9.528/1997. CRITÉRIO PARA RECEBIMENTO CONJUNTO. LESÃO INCAPACITANTE E APOSENTADORIA ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DA CITADA MP (11.11.1997). DOENÇA PROFISSIONAL OU DO TRABALHO. DEFINIÇÃO DO MOMENTO DA LESÃO INCAPACITANTE. ART. 23 DA LEI 8.213/1991. CASO CONCRETO. INCAPACIDADE POSTERIOR AO MARCO LEGAL. CONCESSÃO DO AUXÍLIO-ACIDENTE. INVIABILIDADE. 1. Trata-se de Recurso Especial interposto pela autarquia previdenciária com intuito de indeferir a concessão do benefício de auxílio-acidente, pois a manifestação da lesão incapacitante ocorreu depois da alteração imposta pela Lei 9.528/1997 ao art. 86 da Lei de Benefícios, que vedou o recebimento conjunto do mencionado benefício com aposentadoria. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. A acumulação do auxílio-acidente com proventos de aposentadoria pressupõe que a eclosão da lesão incapacitante, ensejadora do direito ao auxílio-acidente, e o início da aposentadoria sejam anteriores à alteração do art. 86, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991 ("§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria; § 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente."), promovida em 11.11.1997 pela Medida Provisória 1.596-14/1997, que posteriormente foi convertida na Lei 9.528/1997. No mesmo sentido: REsp 1.244.257/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 19.3.2012; AgRg no AREsp 163.986/SP, Rel.Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.6.2012; AgRg no AREsp 154.978/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 4.6.2012; AgRg no REsp 1.316.746/MG, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 28.6.2012; AgRg no AREsp 69.465/RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 6.6.2012; EREsp 487.925/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, DJe 12.2.2010; AgRg no AgRg no Ag 1375680/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, Dje 19.10.2011; AREsp 188.784/SP, Rel. Ministro Humberto Martins (decisão monocrática), Segunda Turma, DJ 29.6.2012;AREsp 177.192/MG, Rel. Ministro Castro Meira (decisão monocrática), Segunda Turma, DJ 20.6.2012; EDcl no Ag 1.423.953/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 26.6.2012; AREsp 124.087/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 21.6.2012; AgRg no Ag 1.326.279/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 5.4.2011;AREsp 188.887/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 26.6.2012; AREsp 179.233/SP, Rel.Ministro Francisco Falcão (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 13.8.2012. 4. Para fins de fixação do momento em que ocorre a lesão incapacitante em casos de doença profissional ou do trabalho, deve ser observada a definição do art. 23 da Lei 8.213/1991, segundo a qual "considera-se como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo para este efeito o que ocorrer primeiro". Nesse sentido: REsp 537.105/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 17/5/2004, p. 299; AgRg no REsp 1.076.520/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 9/12/2008; AgRg no Resp 686.483/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 6/2/2006; (AR 3.535/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJe 26/8/2008). 5. No caso concreto, a lesão incapacitante eclodiu após o marco legal fixado (11.11.1997), conforme assentado no acórdão recorrido (fl. 339/STJ), não sendo possível a concessão do auxílio-acidente por ser inacumulável com a aposentadoria concedida e mantida desde 1994. 6. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.

No caso submetido à discussão, observa-se que a lesão incapacitante surgiu após o marco legal fixado, qual seja, 11/11/1997, deste modo, prevaleceu o entendimento de serem inacumuláveis os benefícios.

Consolidou-se o entendimento de que se pressupõe que a eclosão da lesão incapacitante, apta a gerar o direito ao auxílio-acidente, bem como, a concessão da lesão incapacitante tenha ocorrido anteriormente à alteração do art. 86, 86, §§ 2º e 3º da Lei 8.213/1991, promovida em 11/11/1997 pela Medida Provisória 1.596-14/1997, que posteriormente fora convertida na Lei 9.528/1997.

Deste modo, o STJ editou a Súmula n. 507, acerca da possibilidade de acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria, nos seguintes termos:

A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11.11.1997, observado o critério do artigo 23 da Lei 8.213/91 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho.

Neste sentido, extrai-se do julgado proferido nos autos n. 10188120092542001 sobre a possibilidade de acumulação dos benefícios, com o reconhecimento pelo Relator Evandro Lopes da Costa Teixeira, de que a silicose é uma espécie de doença cuja manifestação dos sintomas ocorre de forma tardia, possibilitando assim, que não haja o rompimento do nexo de causalidade, restando assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL - CUMULAÇÃO DO BENEFÍCIO AUXÍLIO-ACIDENTE COM APOSENTADORIA - INSS - CABIMENTO - DOENÇA DO TRABALHO - SILICOSE - INÍCIO DA APOSENTADORIA E DA ECLOSÃO DA DOENÇA ANTERIOR À ALTERAÇÃO DO ART. 86, §§ 2º E 3º, DA LEI 8.213/1991 - MANIFESTAÇÃO TARDIA DOS SINTOMAS - CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. - A cumulação do benefício do auxílio-acidente com a aposentadoria é possível quando a eclosão da lesão incapacitante, ensejadora do direito ao auxílio-acidente, e o início da aposentadoria são anteriores à alteração do art. 86, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991 - A silicose é uma espécie de doença pulmonar de origem ocupacional, cujos sintomas se manifestam tardiamente, muito depois da exposição ao pó sílica (quartzo). Dessa forma, por tratar-se de caso muito especial, pela própria natureza da doença, independentemente do tempo em que venha a se manifestar no organismo do segurado, exposto ao seu agente causador, não ocorre o rompimento do nexo de causalidade, para fins de recebimento do benefício acidentário. (TJ-MG - AC: 10188120092542001 Nova Lima, Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 16/09/2021, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/09/2021)

Por ocasião do julgamento da apelação cível protocolizada nos autos 10188110013219002, o relator Newton Teixeira Carvalho adotou o mesmo posicionamento, reconhecendo ser devida a concessão do benefício, haja vista que os sintomas se manifestaram tardiamente, após 20 anos de exposição ao pó de sílica, extrai-se:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - ACIDENTE DE TRABALHO - AUXÍLIO ACIDENTE - SILICOSE - MANIFESTAÇÃO TARDIA DOS SINTOMAS - ART. 86, DA LEI 8.213, DE 1991 - REDAÇÃO ORIGINÁRIA - CONCESSÃO DEVIDA DO AUXÍLIO - RECURSO PROVIDO. O auxílio acidente será concedido ao segurado, quando após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem na redução da capacidade laborativa. A silicose é uma espécie de doença pulmonar, de origem ocupacional, cujos sintomas se manifestam somente após 20 anos de exposição ao pó sílica (quartzo). O art. 86, da Lei 8.213, de 1991, com a redação original e anterior àquela dada pela Lei 9.528, de 1997, autoriza a acumulação do benefício acidentário com qualquer aposentadoria. O art. 333, II do CPC, determina que compete ao réu a demonstração de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, cuja deficiência probatória, produzida em defesa, poderá ensejar a procedência do pedido. (TJ-MG - AC: 10188110013219002 MG, Relator: Newton Teixeira Carvalho, Data de Julgamento: 28/01/2016, Data de Publicação: 05/02/2016)

Por outro lado, observa-se que há na jurisprudência entendimentos contrários, conforme apelação cível de relatoria de Claret de Moraes nos autos n. 10188110012476002, acerca da impossibilidade de cumulação da aposentadoria com o auxílio-acidente, por ausência de prova de que a eclosão da silicose teria ocorrido anteriormente à vigência da Lei Federal n. 9258/1997, cite-se:

APELAÇÃO CÍVEL - AUXÍLIO-ACIDENTE - "SILICOSE" - COMPROVADA INCAPACIDADE LABORAL PARCIAL E PERMANENTE - IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM APOSENTADORIA ESPECIAL JÁ RECEBIDA - AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE A LESÃO INCAPACITANTE FOI ANTERIOR À LEI 9.528/1997 - IMPROCEDÊNCIA. 1 - "A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observado o critério do art. 23 da Lei n. 8.213/1991 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho" (Súmula 507 do STJ). 2 - Ausente prova de que a lesão incapacitante sofrida pelo autor em decorrência da "Silicose" se deu antes da alteração implementada pela Lei Federal nº 9.258/1997, não há como se permitir a cumulação da aposentadoria especial já recebida por ele com o auxílio-acidente que postula na inicial da presente ação previdenciária. (TJ-MG - AC: 10188110012476002 Nova Lima, Relator: Claret de Moraes, Data de Julgamento: 06/07/2021, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/07/2021)

Vale ressaltar ser demasiadamente difícil fazer prova exata da eclosão de uma doença, portanto, para a garantia dos direitos sociais previstos constitucionalmente, faz-se necessário uma visão e interpretação mais ampla, quando tratar-se de doenças tão específicas, cujo histórico é justamente a manifestação da tardia, sob pena de injustiças ocorrerem.

3 CONCLUSÃO

No processo proposto à estudo, verificou-se da prova produzida nos autos que durante o período de quinze anos, o demandante esteve exposto à inalação constante de pó de sílica.

O perito médico judicial explanou que a silicose é o nome dado à fibrose pulmonar causada pela inalação de poeira contendo sílica cristalina, e, na prática, existem três formas de apresentação da doença, sendo que, na forma de apresentação crônica, geralmente os sintomas se manifestam mais de dez a quinze aos após a exposição.

Tais considerações foram ponderadas pelo Desembargador Relator quando redigiu o seu voto, afirmando categoricamente que não há como afastar o nexo de causalidade entre a doença adquirida e as atividades laborativas desempenhadas durante a sua carreira, portanto, seguindo a orientação do Superior Tribunal de Justiça, entendeu ser perfeitamente possível a cumulação da aposentadoria por tempo de serviço, ainda que especial, com o auxílio-acidente.

Objetivou-se, com a concessão da benesse a garantia da dignidade humana do trabalhador e benefício de caráter indenizatório pelas sequelas ostentadas em razão da doença ocupacional que acometeu o trabalhador. Além disto, houve a prevalência do direito adquirido e tempus regit actum, na medida em que houve a observância da data em que houve a eclosão da doença e a lei vigência à época.

Pôde-se concluir que, de acordo com o art. 124 da Lei n. 8.213/1991, regulamentado pelo art. 167 do RPS (com redação alterada pelo Decreto n. 10.410/2020), não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios: aposentadoria com auxílio-acidente, salvo nos casos em que a data de início de benefício for anterior a 11/11/1997, sendo que o entendimento aplicado está em consonância com a jurisprudência, doutrina e legislação existente.

Com base nas informações supra apresentadas, conclui-se que os processos que tem como objeto as doenças ocupacionais são pautadas em uma grande complexidade, fazendo-se necessária uma profunda análise multidisciplinar acerca dos contextos em que os trabalhadores estavam inseridos, para não ocorrerem injustiças sociais.


REFERÊNCIAS

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  4. BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 0012005-55.2011.8.13.0188. Relator: Juiz Convocado Ronaldo Claret de Moraes – 15ª Câmara Cível. Jurisprudência Mineira, Belo Horizonte, 20 fev 2017. Disponível em: <https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/formEspelhoAcordao.do>. Acesso em 9 abril 2023.

  5. DE CASTRO, Carlos Alberto Pereira. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 23 ed. Rio De Janeiro: Forense, 2020.

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  7. DIAS, Elizabeth Costa et al. Atenção à saúde dos trabalhadores expostos à poeira de sílica e portadores de silicose: pelas equipes da Atenção Básica/Saúde da Família: protocolo de cuidado. Nescon/UFMG, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1843/39998>. Acesso em: 7 abril 2023.

  8. GUTIERREZ, Tatiana Maron. GARCIA, Cristiane Sousa Nascimento Baez. MORALES, Marcelo Marcos. ROCCO, Patricia Rieken Macedo. Entendendo a fisiopatologia da silicose. UFRJ, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: <http://sopterj.com.br/wp-content/themes/_sopterj_redesign_2017/_revista/2008/n_01/07.pdf>. Acesso em: 7 abril 2023.

  9. KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 18. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2020.

  10. LUZ, Vania Silva Merlim Baggio. MARTONI, Astrid Meira. Estimativa do risco ocupacional em pedreiras na região de Maringá. Biblioteca Virtual em Saúde. São Paulo, 2003. Disponível em: <https://docplayer.com.br/40340057-Estimativa-do-risco-ocupacional-em-pedreiras-na-regiao-de-maringa.html>. Acesso em: 9 abril 2023.

  11. TERRA FILHO, Mario; SANTOS, Ubiratan de Paula. Silicose. Jornal Brasileiro de pneumologia, v. 32, p. S41-S47, 2006.

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  20. IBRAHIM, Zambitte Fábio. Curso de Direito Previdenciário-. 20 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 666.

  21. DE CASTRO, Carlos Alberto Pereira. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 23 ed. Rio De Janeiro: Forense, 2020. p. 1178-1179.

  22. IBRAHIM, Zambitte Fábio. Curso de Direito Previdenciário-. 20 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 670.

  23. IBRAHIM, Zambitte Fábio. Curso de Direito Previdenciário-. 20 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 670.

  24. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo: REsp: 1296673, MG 2011/0291392-0, Relator: Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma. Data de Julgamento: 22/08/2012. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201102913920> Acesso em: 23 out 2023.

  25. DE CASTRO, Carlos Alberto Pereira. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 26 ed. Rio De Janeiro: Forense, 2023. p. 428.

  26. DE CASTRO, Carlos Alberto Pereira. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 26 ed. Rio De Janeiro: Forense, 2023. p. 428.

  27. BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1991. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 23 out 2023.

  28. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo: REsp: 1296673, MG 2011/0291392-0, Relator: Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma. Data de Julgamento: 22/08/2012. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201102913920> Acesso em: 23 out 2023.

  29. BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 0012005-55.2011.8.13.0188. Relator: Juiz Convocado Ronaldo Claret de Moraes – 15ª Câmara Cível. Jurisprudência Mineira, Belo Horizonte, 20 fev 2017. Disponível em: <https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/formEspelhoAcordao.do>. Acesso em 9 abril 2023.

  30. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo: REsp: 1296673, MG 2011/0291392-0, Relator: Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma. Data de Julgamento: 22/08/2012. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201102913920> Acesso em: 23 out 2023.

Sobre a autora
Beatriz Cristina Barbieri Büerger

Natural de Balneário Camboriú/SC, Bacharela em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI-BC). Pós graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) desde julho de 2021. Aprovada no XXXII Exame da Ordem. Membra da Comissão de Assuntos Trabalhistas da OAB-BC (2020). Perita grafotécnica e documentóloga. Entusiasta do estudo das ciências forenses, laborais e suas tecnologias. Assessora Jurídica há mais de três anos. http://linktr.ee/beabuerger

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