Descredenciamento unilateral de prestação de serviços de medicina por parte de médicos, clínicas, laboratórios ou hospitais junto aos planos de saúde ou conveniados do sus

12/01/2024 às 12:27
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DESCREDENCIAMENTO UNILATERAL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE MEDICINA POR PARTE DE MÉDICOS, CLÍNICAS, LABORATÓRIOS OU HOSPITAIS JUNTO AOS PLANOS DE SAÚDE OU CONVENIADOS DO SUS

A Lei federal 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde somente prevê hipóteses de descredenciamento de prestadores de serviços médicos por parte das operadoras de plano de saúde, restando omissa se tal descredenciamento partir de um laboratório de analises clínicas, médico, hospital ou da clinica onde o paciente vem realizando um tratamento contínuo.

De acordo com caput e §1º, do artigo 17 da lei 9.656/98, a inclusão de um hospital ou de qualquer prestador de serviço na rede credenciada implica compromisso da operadora com o consumidor quanto a manutenção desse prestador ao longo da vigência do contrato, podendo este ser substituído por outro equivalente mediante comunicação ao consumidor com 30 dias de antecedência, sendo essa a regra geral.

Tendo em vista a importância que a rede conveniada assume para a continuidade do contrato, a operadora somente cumprirá o dever de informação se comunicar individualmente cada cliente sobre o descredenciamento de médicos, clínicas, laboratórios e hospitais.

Revela-se abusiva a exclusão de um prestador de serviço médico, se não houver comunicação do consumidor em 30 dias, bem como, se não houver a substituição do prestador de serviços descredenciado por outro equivalente, o que leva a conclusão que o plano de saúde tem que autorizar a consulta ou o tratamento necessário junto ao prestador descredenciado.

Também, a Operadora deve ser responsabilizada pelo custeio dos procedimentos realizados pelo consumidor que não teve ciência do descredenciamento de um prestador de serviços médicos que fazia parte da rede credenciada, direito esse que, infelizmente só se consegue perante o Poder Judiciário, lembrando que, se o paciente estiver em tratamento contínuo, este não pode ser interrompido, até que ocorra a sua alta médica, nos termos do § 2o do citado artigo 17 da lei 9.656/98.

Por outro lado, o descredenciamento por parte de médicos, hospitais, laboratórios ou clinicas prestadoras de serviços de medicina, tem se tornado comum no cotidiano, o que se resolve pelas regras de direito civil atinente a contratos.

Ocorre que, o grande problema enfrentado pelos usuários de planos de saúde privados ou aqueles que fazem tratamento pelo SUS em estabelecimentos de saúde conveniados, é quando o paciente já vinha fazendo algum tipo de tratamento e o prestador do serviço resolve encerrar o convenio ou até quando o prestador encontra-se na lista da rede credenciada e o consumidor, ao buscar atendimento, recebe a notícia que o médico, a clínica, o laboratório ou o Hospital não atende mais o plano de saúde que o cliente possui.

Pela resolução 1.616 do Conselho Federal de Medicina, o desligamento voluntário do médico referenciado, credenciado ou associado deve ser comunicado à operadora com antecedência mínima de 60 dias e os dados clínicos dos pacientes devem ser disponibilizados a seus clientes “a fim de garantir a continuidade do tratamento médico”.

Disciplina ainda, essa resolução, que a “decisão de desligamento deverá ser homologada pelo Conselho Regional de Medicina, num prazo de 30 dias”, e que as operadoras “devem obrigatoriamente comunicar os desligamentos de médicos aos seus usuários”, devendo ser aplicada a mesma regra, às clinicas, laboratórios e hospitais.

Embora essa resolução do CRM seja apenas uma norma de hierarquia inferior, o texto traça procedimentos para o desligamento dos prestadores de serviços médicos, eis que todo contrato pode ser revogado ou rescindido por decisão recíproca ou unilateral, sendo comum cada contrato prever a forma da rescisão e eventual penalidade em caso de decisão unilateral dos prestadores de serviços médicos.

Ocorre que, muitas das vezes esse tipo de descredenciamento afeta o consumidor de tais serviços, que pode ser prejudicado, principalmente, se estiver em tratamento continuo.

Nesses casos, o desligamento unilateral que afeta o usuário do plano de saúde ou qualquer paciente que esteja em tratamento médico, deve ser entendido como abusivo, porque atinge a confiança estabelecida nas relações jurídicas, em especial a boa fé que deve existir em todas relações consumeristas que afeta a crença do consumidor no atendimento que vinha recebendo, que de uma hora para outra, passa a não mais existir, deixando o paciente perdido e periclitando o seu tratamento.

Tal entendimento acredita-se que não se amolda com o disposto no item IX, do Capítulo I, do atual Código de Ética Médica, aprovado por meio da Resolução n.º 1931/2009, do Conselho Federal de Medicina, pois “A Medicina não pode, de jeito algum, ser exercida como comércio”, devendo essas regras ser levadas em consideração pelo Poder Judiciário em caso de ruptura repentina por parte de um prestador de serviço que resolve por qualquer motivo não atender mais pacientes de um determinado plano de saúde ou de outro estabelecimento credenciado, desde que estes sejam evidentemente prejudicados e que o tratamento contínuo seja interrompido.

Embora a Agência Nacional de Saúde (ANS) exija que o desligamento de qualquer clínica, hospital ou laboratório seja comunicado aos usuários quando tal ruptura parte das operadoras de planos de saúde, que devem substituir o prestador por outro equivalente, partindo essa ruptura por parte dos prestadores de serviços médicos, vale a resolução do Conselho Federal de Medicina, entretanto, tal desligamento esbarra no Código de Ética Médica, já que a medicina não é entendida com conotação comercial.

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Tal posição se justifica, pois o consumidor fica em situação de desvantagem, em razão de uma série de fatores que afetam a descontinuidade do tratamento.

O médico ou os outros prestadores de serviços que se negarem a atender o paciente, deixando de dar continuidade ao tratamento já iniciado, alegando apenas não ser mais credenciado junto ao plano de saúde, agem segundo interesses meramente comerciais e mercantilistas, faltando para com o compromisso de ética médica que violam diversos direitos de personalidade dos pacientes lesados.

Assim, o descredenciamento que parte desses prestadores de serviços médicos pode também prejudicar o consumidor que contratou um plano por causa da rede credenciada ou que esteja em tratamento contínuo com qualquer desses prestadores, permitindo o questionamento de tal conduta em juízo, o que evidentemente é antijurídico, autorizando-se ainda, inserir o plano de saúde como solidário, se este tenha contribuído para o descredenciamento, como por exemplo, se a operadora não vem quitando as faturas mensais do prestador de serviços adequadamente, nos termos dispostos nos artigos 25, § 1.º e 2.º e artigo 34 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Se o a operadora de saúde não pode limitar o tempo de internação do paciente, igual motivo não permite que o tratamento médico da pessoa seja abruptamente interrompido por vontade unilateral do prestador se serviços, principalmente, por questões que envolvam interesses financeiros, deixando o paciente desamparado, se sobrepondo a ética médica e ao princípio basilar da dignidade humana sagrado na Constituição Federal.

Por Ricardo Alberto Neme Felippe

(03.12.2023)

Sobre o autor
Ricardo Alberto Neme Felippe

Advogado em São Paulo-SP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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