A Constituição Estratégica e o Paradoxo de Condorcet

21/11/2023 às 19:28
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Marquês de Condorcet foi um filósofo, matemático e revolucionário francês. Afirmava que agentes racionais poderiam tomar decisões coletivas irracionais, visto que cada indivíduo pertencente a determinado grupo conserva uma visão que pode não ser a melhor para o próprio grupo da qual faz parte.

Em seu ensaio de 1785, examinará a probabilidade de decisões proferidas por pluralidade de votos, chegando à conclusão de que a força da inclinação natural de nossas crenças sobrepor-se-á à lógica matemática:

A razão e o cálculo nos dizem que a probabilidade aumenta cada vez mais com o número de observações constantes que são o fundamento de nossa crença; mas a força da inclinação natural, que nos leva a crer, não depende pelo menos da força da impressão que esses objetos causam em nós? Então, se a razão não vem em nosso socorro, nossas opiniões serão realmente o trabalho de nossa sensibilidade e nossas paixões. A observação parece provar que essa inclinação pelo crer que acontece constantemente, depende unicamente de uma impressão puramente passiva e não racional, visto que o raciocínio não pode nos fornecer nenhuma razão de acreditar que essa inclinação não nos engane.

Essa forma de explicar a origem dos nossos erros e de nossa teimosia pode conduzir a consequências úteis, entre outras coisas, como forma de remover sua funesta influência sobre as duas classes da humanidade que são as mais expostas: as crianças e as pessoas1.

Sendo, portanto, providos de razão, não nos afasta da tomada de decisões irracionais, confiando que tomamos a decisão certa, quando na realidade, não a fazemos.

Por conseguinte, a Constituição estratégica será o conjunto de leis que determinará o que será mais importante para determinada nação, levando em conta o momento atual em que é inserida.

O Paradoxo de Condorcet serve para nos lembrar que em um dado momento as escolhas precisarão ser feitas, não necessariamente racionais, lógicas, e que assim como nós, que mudamos ao longo do tempo, a sociedade também muda, e definirá novos valores, novos objetivos.

Condorcet nos ensina a obter o máximo de informações, a fim de que possamos decidir da melhor forma e mais justa.

Todavia, não consigo ter sempre eficiência porque há preferências cíclicas, mas as decisões precisam ser tomadas.

Como assinala Goethe, em Os sofrimentos do jovem Werther, “raras são as vezes neste mundo em que as opções se mostram claras entre o isto e o aquilo”.

Nessa esteira, eu terei que sobrepor um direito a outro. “O equilíbrio de um direito contra outro pode ser descrito como a avaliação do custo de oportunidade de um direito em detrimento de outro2”.

O direito que vai prevalecer sobre o outro é aquele que mediante a reunião do máximo de informações, trará mais benefícios para toda a sociedade, mesmo que beneficie apenas um grupo.

As necessidades servirão para comparar os níveis de bem-estar de diferentes pessoas. Comparar níveis de bem-estar possibilita a alocação de recursos, como explica Robert Cooter:

De acordo com a "escola do bem-estar material", o bem-estar de uma pessoa depende da satisfação das necessidades. As necessidades formam uma hierarquia em ordem de urgência, com necessidades materiais na base. As necessidades não materiais como cultura e entretenimento são maiores na hierarquia. As pessoas usualmente satisfazem necessidades urgentes na base da hierarquia antes de satisfazer necessidades menos urgentes no topo da hierarquia. Por exemplo, uma pessoa faminta e muito entediada necessita mais de nutrição do que entretenimento, então ele geralmente prefere comer do que ir à ópera3.

Assim, a pessoa bem alimentada aumentaria o bem-estar de toda uma sociedade. Por óbvio existirá outros indicadores que medirão outros níveis de bem-estar, cuja comparação trará resultados próximos para a melhor tomada de decisão.

Nunca uma decisão será baseada em um único indicador, visto que pessoas com menos renda necessitam de bens materiais para sobreviver, que variam de pessoa para pessoa.

Para aumentar o bem-estar de alguém, por exemplo, é necessário mais gasto com alimentação, mas para aumentar o bem-estar de outrem, é fundamental o saneamento básico, porque acesso ao alimento essa pessoa tem, porque recebe ajuda de uma instituição de caridade.

Implementar e manter gastos sociais demanda muitos recursos, que devem ser alocados como forma de diminuir a desigualdade presente em uma sociedade.

A Constituição estratégica surge para equilibrar a competição política alinhada com a ambição dos políticos e do povo, que escolherá o que é mais importante para a sociedade, dentro de uma democracia, tornando-se o instrumento de consolidação de poder popular, legitimando interesses populares.


  1. CONDORCET, Marquis de. Essai sur l’application de l’analyse à la probabilité des décisions rendues à la pluralité des voix, Paris : Imprimerie royale, 1785, p.174-175.

  2. COOTER, Robert. The strategic constitution. United Kingdom: Princeton University Press, 2000, p.246.

  3. Op.Cit. p.251.

Sobre a autora
Ana Carolina Rosalino Garcia

Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista (2008). Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo desde 2009. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Possui MBA em Administração de Empresas com Ênfase em Gestão pela Fundação Getúlio Vargas - FGV / EAESP - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Informações sobre o texto

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