A base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil: Exame crítico histórico e jurisprudencial

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Resumo: Na tributação municipal é conhecida a controvérsia em torno da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil. As divergências sobre o tema já duram mais de três décadas somente em relação ao contencioso judicial dos tribunais superiores. Da Emenda Constitucional nº 18/65 à Constituição de 1988, do Decreto-lei nº 406/68 à Lei Complementar nº 116/03, não se vislumbra um consenso quanto ao tributo municipal, principalmente devido a inúmeras teses jurídicas que pugnam pela redução da sua base de cálculo. Este trabalho traz um levantamento legislativo e jurisprudencial de densidade não antes vista, de forma a prover conclusões com aprofundado argumento teórico e imprescindível coerência prática, aproveitando ainda valiosos recursos advindos da doutrina pátria. O resultado é um abrangente compilado de informações acerca do tema, de interesse aos operadores do Direito atuantes na tributação do ISSQN e aos estudiosos do assunto em geral.

Palavras-chave: base de cálculo; ISSQN; imposto sobre serviços; construção civil; jurisprudência; dedução de materiais.

1. Introdução

A base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil tem gerado controvérsia há longa data. O ISSQN, imposto de competência municipal, tornou-se a principal fonte de arrecadação própria das médias e grandes cidades brasileiras, constituindo parcela indispensável da receita necessária ao custeio das políticas públicas. De outro lado, o segmento empresarial da construção civil constitui-se como um dos maiores contribuintes e um dos mais influentes na sociedade e na política. O quantum debeatur referente ao imposto, assim, assume feições de grande interesse a todos os envolvidos, sejam contribuintes, fiscos, agentes políticos etc.

Nos tributos cujo aspecto quantitativo da incidência é composto por uma base de cálculo e uma alíquota, o primeiro parâmetro pode ou não admitir deduções, nos termos da lei. Nesse sentido, há muito se discute quais valores podem ser deduzidos da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil, visto que a legislação aplicável admite esse benefício em certa medida. A controvérsia, basicamente, versa sobre a dedução do valor dos materiais agregados à obra, mas estendeu-se, ao longo dos anos, a outras possíveis deduções. Assim, a definição do alcance do vocábulo “materiais”, nos termos da lei de normas gerais do ISSQN, permeia as discussões, especialmente em função de a lei não ter previsto um conceito de materiais dedutíveis.

Este trabalho tem foco na discussão sobre a dedução do valor dos materiais, mas não se limita a essa análise. A metodologia aplicada é ao mesmo tempo simples e refletida, fazendo uso, basicamente, de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. A fim de dinamizar a leitura, são utilizadas algumas abreviaturas, especialmente nas referências a processos judiciais que tramitam nos tribunais superiores, como EAREsp (Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial), AgRg (Agravo Interno) etc. Para a adequada compreensão da decisão judicial no contexto temporal, é utilizado o ano do julgamento entre parênteses após o número do processo. A forma do exame compreende quatro partes, com as duas primeiras investindo na compilação de dados aplicáveis à totalidade do tema e as outras duas versando sobre subtemas ainda não completamente superados, segundo interpretações comumente encontradas em publicações jurídicas.

Em um primeiro momento, é realizado um levantamento histórico da legislação aplicável ao tema, desde a criação do ISSQN pela Emenda Constitucional nº 18/65 até a Lei Complementar nº 116/03, atual lei de normas gerais do tributo. O exame traz um estudo dos diplomas constitucionais e legais que tratam do ISSQN, a fim de apresentar a questão ora em discussão, permitindo a apreensão do panorama legislativo ao longo do tempo e possibilitando a compreensão das divergências interpretativas que hoje se manifestam.

Em seguida é realizada uma extensa pesquisa da jurisprudência dos tribunais superiores, basicamente a partir dos websites do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a análise de mais de uma centena de acórdãos versando sobre o tema, limitada àqueles em que o mérito foi discutido. Nessas duas primeiras partes do estudo, o tema da dedução do valor dos materiais é evidenciado, entretanto ambas contemplam a dedução do valor de subempreitadas, também objeto de debate.

A análise tem sequência exatamente pelo tema da dedução do valor das subempreitadas, que apresenta características específicas, visto que não prevista na lei de normas gerais do ISSQN vigente, mas prevista em algumas legislações municipais. Também outras alegadas deduções, como do valor da locação de equipamentos para uso nas obras de construção civil recebe tópico à parte, visto que não prevista na legislação nem abarcada pela jurisprudência dos tribunais superiores.

Realizados esses quatro levantamentos, dotados de considerável densidade de pesquisa, o trabalho encerra-se com a apresentação de sólidas conclusões acerca da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção, almejando servir de fonte aos diversos operadores do Direito neste controverso tema da tributação municipal. Sem exaurir o tema, espera-se que o estudo possa trazer algum consenso entre os diversos atores da tributação, seja em nível judicial ou extrajudicial.

2. A base de cálculo do ISSQN e a legislação

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS ou ISSQN) foi criado pela Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965, na vigência da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. O referido diploma constitucional atribuiu a lei complementar a função de delimitar os serviços sujeitos à incidência do imposto, a fim de evitar conflitos de competência com o Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICM, precursor do ICMS). A Constituição da República Federativa de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 mantiveram o ISSQN nos mesmos termos da sua criação.

O imposto municipal foi inicialmente regulamentado pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, denominada “Código Tributário Nacional” (CTN) pelo Ato Complementar nº 36, de 13 de março de 1967. Em seus artigos 71 a 73 foram estabelecidas as primeiras normas gerais sobre o tributo, fundamentalmente limitando-o a uma incidência residual, ao excluir da sua base de tributação qualquer serviço que configure “fato gerador de impôsto de competência da União ou dos Estados”. O art. 72 definiu a base de cálculo do ISSQN como o preço do serviço, tal qual previsto até hoje, porém sem qualquer previsão de dedução. Assim, o imposto vigeu sem dedução da base de cálculo de 1º de janeiro de 1967 até a entrada em vigor, em 1º de janeiro de 1969, do Decreto-lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968.

O Decreto-lei nº 406/68 revogou os artigos 71 a 73 do CTN, criou uma lista de serviços incidentes pelo ISSQN, anexa à lei, e estabeleceu, em seu art. 9º, § 2º, as hipóteses de dedução do valor dos materiais adquiridos de terceiros, quando fornecidos pelo prestador de serviços, e de dedução do valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto para os serviços de obras hidráulicas e de construção civil:

Decreto-lei nº 406/68

Art 9º A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço. [...]

§ 2º Na execução de obras hidráulicas ou de construção civil o impôsto será calculado sôbre o preço deduzido das parcelas correspondentes:

a) ao valor dos materiais adquiridos de terceiros, quando fornecidos pelo prestador de serviços;

b) ao valor das subempreitadas já tributadas pelo impôsto. [...]

Lista anexa

VI - Serviços, por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, terraplenagem, demolição, conservação e reparação de edifícios, estradas, pontes e outras obras de engenharia, inclusive obras hidráulicas, serviços auxiliares e congêneres;

Posteriormente, o Decreto-lei nº 834, de 8 de setembro de 1969 (com vigência a partir dessa data), alterou a lista de serviços e o texto da primeira dedução, definindo-a como o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços, além de estender o benefício aos serviços de demolição e de conservação e reparação de edifícios, estradas e pontes. A lista de serviços explicitou, para os serviços de construção civil, a ressalva de que não incide o ISSQN sobre o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que ficam sujeitas ao ICM:

Decreto-lei nº 406/68 (com redação do Decreto-lei nº 834/69)

Art 9º A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço. [...]

§ 2º Na prestação dos serviços a que se referem os itens 19 e 20 da lista anexa o impôsto será calculado sôbre o preço deduzido das parcelas correspondentes:

a) ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços;

b) ao valor das subempreitadas já tributadas pelo impôsto. [...]

Lista anexa

19. Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que ficam sujeitas ao ICM).

20. Demolição; conservação e reparação de edifícios (inclusive elevadores nêles instalados), estradas, pontes e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que ficam sujeitas ao ICM).

Dessa forma, o diploma legal restringiu a possibilidade de dedução do valor dos materiais às mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços fora do local da obra, visto que incidentes pelo ICM. O Decreto-lei nº 406/68 ainda foi alterado pela Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, sem modificação no que se refere às deduções dos valores dos materiais e das subempreitadas (art. 9º, § 2º). A lista de serviços, para a construção civil, teve pequenas alterações:

Decreto-lei nº 406/68 (com redação da Lei Complementar nº 56/87)

Lista anexa

32. Execução por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM);

33. Demolição;

34. Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM);

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 manteve o ISSQN nos termos dos diplomas constitucionais anteriores, inclusive quanto à atribuição para o estabelecimento de normas gerais por lei complementar. Além disso, o art. 34, § 5º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) assegurou, quanto ao novo sistema tributário nacional, a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e sua legislação. O Supremo Tribunal Federal pronunciou-se em reiteradas oportunidades pela recepção do Decreto-lei nº 406/68 com status de lei complementar, como nos Recursos Extraordinários nº 149.922/SP (1994), nº 220.323/MG (1999) e nº 214.414/MG (2002).

A lei de normas gerais do ISSQN para o novo sistema tributário nacional somente veio a ser editada quase quinze anos após a Constituição de 1988 e, portanto, trinta e cinco anos após o Decreto-lei nº 406/68. A Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, com vigência a partir de 1º de agosto de 2003, trouxe novas regras, no entanto manteve a definição dos serviços tributáveis pelo ISSQN por enumeração em lista anexa. A Lei do ISS, como é conhecida, manteve a dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços da base de cálculo do imposto para os serviços de construção civil e obras semelhantes, e a ressalva, na lista de serviços, quanto à não oneração pelo ISSQN do fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS. Já a dedução do valor das subempreitadas não foi contemplada pela nova legislação:

Lei Complementar nº 116/03

Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. [...]

§ 2º Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:

I - o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar;

II - (VETADO) [...]

Lista anexa

7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS). [...]

7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).

Não obstante a exclusão da dedução do valor das subempreitadas da lei de normas gerais do ISSQN, alguns Municípios mantiveram essa dedução em suas leis. A Lei Complementar nº 116/03 foi alterada pelas Leis Complementares nº 157/16, nº 175/20 e nº 183/21, porém sem modificação para a construção civil.

Mesmo na vigência do Decreto-lei nº 406/68 havia dúvidas sobre quais materiais aplicados na execução de uma obra de construção civil poderiam ter seu valor deduzido da base de cálculo do ISSQN, situação que não revelou nova perspectiva com a publicação da Lei Complementar nº 116/03. A doutrina debruça-se sobre a tese das deduções há um bom tempo, com o entendimento pela sua impossibilidade, exceto se expressamente permitida pela lei (MORAES, 1975, p. 245, 250 e 533):

Em verdade, terminada a circulação fabril e comercial dos produtos ou mercadorias que passam para as mãos do construtor (prestador do serviço), esta nova etapa passa a ser tributada exclusivamente pelo ISS, afirma Ruy Barbosa Nogueira. [...] Na hipótese do prestador de serviços adquirir mercadorias de terceiros para emprego na obra, ficará ele sujeito apenas ao ISS. Todavia, às vezes, quem fornece as mercadorias para a obra é o próprio prestador de serviços, que as produz fora do local da obra (local da prestação de serviços). Neste caso, haverá uma venda de bens materiais (mercadorias), ficando seu valor sujeito ao ICM. [...] No regime inicial (CTN), o valor dos materiais (tijolos, telhas, ladrilhos, cerâmica, etc.) que o construtor adquiriu de terceiros e forneceu à obra, isto é, ao dono desta, era parcela dedutível. Mais tarde, no regime do Decreto-lei n. 834, de 1969, art. 3º, n. IV, modificou-se a norma de dedução, incluindo para o ISS os materiais produzidos pelo construtor (ou prestador do serviço) dentro da obra e nela empregados.

Com o crescimento da construção civil nacional, as dúvidas viraram divergências e as divergências, litígios. De um lado, os contribuintes alegavam que podiam deduzir quaisquer materiais fornecidos na execução de uma obra de construção civil; de outro, os fiscos municipais permitiam a dedução apenas dos materiais produzidos pelo prestador de serviços fora do local da obra, com a devida comprovação documental. O desacordo, claro, foi parar nos tribunais, e se estende por mais de trinta anos.

3. A dedução do valor de materiais e a jurisprudência

A Lei Complementar nº 116/03 traz, para os serviços de construção civil, a hipótese de não inclusão na base de cálculo do valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços, e, ao mesmo tempo, faz ressalva ao ISSQN no fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços. Por imposição lógica, os materiais referidos no art. 7º e as mercadorias mencionadas na lista anexa são os mesmos produtos, logo a doutrina começou a especular se em verdade trata-se de uma hipótese de não incidência do ISSQN, como aparenta induzir a Lei Complementar nº 116/03, ou de uma dedução da base de cálculo, como positivado na legislação anterior.

Questiona-se, dessa forma, por que a lei preveria a não inclusão do valor dos materiais se ele não integrasse a base de cálculo do ISSQN (BARRETO, 2018, p. 409). Há, também, vertente contrária à imposição de limite para a dedução disposta na lei complementar, visto que a Constituição atribui-lhe definir a base de cálculo do tributo, conforme art. 146, III, não cabendo interpretação restritiva, seja pelo judiciário ou pela doutrina. O incentivo ao setor é, dessarte, questão de política tributária, visando incentivar importante setor da atividade econômica (HARADA, 2014, p. 296-298).

No entanto parece ser consolidada a interpretação de que o preço do serviço abrange tanto a mão de obra própria como os materiais fornecidos, quando for o caso, inclusive porque o Código Civil expressamente assim prevê, não se presumindo o fornecimento de materiais (art. 610, caput e § 1º). A base de cálculo do ISSQN inclui o valor dos materiais, exceto pela ressalva expressa no art. 7º, § 2º da Lei Complementar nº 116/03 (PAULSEN; MELO, 2021, p. 364-365). Por conseguinte, o fornecimento para o canteiro de obras de materiais (alvenaria, aço, madeira etc.) e de mercadorias (pisos, ladrilhos, vasos sanitários, chuveiros, pias, vidros, cozinha etc.) fica sujeito à tributação municipal (MELO, 2008, p. 80). Por óbvio, quando se fala em fornecimento, inclui-se somente aquilo que é fornecido pelo construtor.

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Não menos importante é a determinação da própria Lei Complementar nº 116/03, em seu art. 1º, § 2º, de que mesmo os serviços que envolvam o fornecimento de mercadorias ficam sujeitos exclusivamente ao ISSQN, ainda que se constate certa inadequação da redação legislativa ao confundir material com mercadoria. Pelo critério da destinação do bem, se o destino for a mercancia tem-se uma mercadoria e se endereçado a consumidor final constitui-se em material, integrando o preço do serviço (MANGIERI; MELO, 2019, p. 66 e 71).

Assim, a redução da base de cálculo de determinado tributo é uma decisão política manifestada pela lei. Entretanto, é mister ter-se em mente que foi a própria lei que limitou a dedução do valor dos materiais àqueles produzidos pelo prestador fora do local da obra. Em reiterados julgamentos, os tribunais superiores textualmente trataram essa não oneração do valor dos materiais pelo ISSQN como uma dedução da base de cálculo, mesmo após a edição da Lei Complementar nº 116/03. Verifica-se, na atividade tributária e na jurisprudência dos tribunais superiores, uma harmonização na aplicabilidade das leis de normas gerais do ISSQN, observada na continuidade das regras de exação, o que é bastante construtivo, visto que se trata do mesmo tributo, ainda que atribuído por diferentes diplomas constitucionais.

A doutrina sempre trabalhou no sentido de que a atividade econômica de execução de uma obra de construção civil sujeita-se exclusivamente ao ISSQN. Nos serviços de concretagem, seja realizada na obra ou no trajeto até o local por meio de caminhão-betoneira, compreendem juristas como Bernardo Ribeiro de Moraes, Ruy Barbosa Nogueira e Alexandre da Cunha Ribeiro Filho que se trata de uma fase da construção, com incidência do ISSQN (MORAES, 1975, p. 248).

O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência histórica no sentido de que a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço de construção civil contratado, não cabendo a dedução do valor dos materiais, como se observa nos EDcl no REsp nº 123.528/SP (1997):

TRIBUTÁRIO. ISS. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DEDUÇÃO DO VALOR DOS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO CIVIL EMPREGADOS PELAS SUBEMPREITEIRAS.

1 - Da base de cálculo do ISS não deve ser deduzido o valor dos materiais de construção utilizados pela prestadora do serviço.

2 - A base de cálculo para apuração do total do tributo é o custo do serviço em sua totalidade.

Para os serviços de concretagem, a incidência exclusiva do ISSQN foi inclusive sumulada:

SÚMULA N. 167 O fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil, preparado no trajeto até a obra em betoneiras acopladas a caminhões, é prestação de serviço, sujeitando-se apenas à incidência do ISS.

Na supracitada súmula, publicada em 1996, são referenciados como precedentes os Recursos Especiais nº 8.296/RJ (1992), nº 29.858/RJ (1996) e nº 49.401/RJ (1994). Aliás, esse entendimento coaduna-se com reiterados julgamentos do Supremo Tribunal Federal pela não incidência do ICM nos serviços de concretagem, como nos Recursos Extraordinários nº 82.501/SP (1978), nº 91.111/MG (1979) e nº 93.508/MG (1981), conforme transcrição parcial da ementa do primeiro:

ICM. A ele não está sujeito o fornecimento de concreto para construção civil que vai sendo preparado, em betoneiras acopladas a caminhões, no trajeto até a obra.

Assim, desde a década de 1990 o STJ aplica esse entendimento, que em nada difere da regra geral para a base de cálculo do ISSQN prevista em lei, ou seja, do preço do serviço (MORAES, 1975, p. 519):

O legislador utiliza a expressão ‘preço do serviço’, sem qualquer outro adjetivo e silenciando quanto a deduções permitidas. Evidentemente o legislador está dispondo sobre o preço bruto (sem dedução de qualquer parcela, mesmo a título de carreto ou imposto), e não o líquido. O preço do serviço vem a ser, desta forma, a receita bruta que lhe corresponda, auferida pelo prestador do bem imaterial.

Poder-se-ia alegar que a jurisprudência do STJ amolda-se à vigência do Decreto-lei nº 406/68, não se aplicando à atual lei de normas gerais do ISSQN, qual seja, a Lei Complementar nº 116/03. No entanto, o STJ manteve seu entendimento na vigência da atual Lei do ISS, mesmo porque os citados diplomas legais apresentam textos que pouco diferem entre si, salvo pela revogação da dedução do valor das subempreitadas. Ao longo dos anos, o Tribunal da Cidadania consolidou o entendimento pela impossibilidade da dedução do valor dos materiais da base de cálculo do ISSQN, ressalvados os casos expressamente delineados pela referida legislação. Da mesma forma aplicavam a lei os fiscos municipais.

Ocorre que em surpreendente decisão monocrática de 18 de agosto de 2010, no âmbito do Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida nº 603.497/MG, a Ministra do STF então relatora do recurso deu provimento à ação, indicando a constitucionalidade da dedução do valor dos materiais de maneira ampla ou genérica. O aludido entendimento passou a ser aplicado pelo STJ, ressalvando fazê-lo por alinhamento à orientação do STF, e pelos fiscos municipais. Relevante ter-se em conta que a decisão monocrática citou vários precedentes que afastam a tese municipalista de que as deduções admitidas pelo Decreto-lei nº 406/68 configuram uma isenção heterônoma, mas não tratam do conflito de competência entre ISSQN e ICMS, matéria constitucionalmente atribuída a lei complementar (MANGIERI; MELO, 2019, p. 79).

Até julho de 2011, o STJ aplicou o entendimento pela dedução restritiva do valor dos materiais, somando em torno de quarenta acórdãos nesse sentido. Porém, com a decisão no RE nº 603.497/MG, a Corte passou a adotar a dedução ampla do valor dos materiais no AgRg no AgRg no REsp nº 1.228.175/MG, em acórdão de agosto de 2011:

TRIBUTÁRIO - ISS - CONSTRUÇÃO CIVIL - BASE DE CÁLCULO - MATERIAIS EMPREGADOS - DEDUÇÃO - POSSIBILIDADE.

1. Alinhada à orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte reconhece a legalidade da dedução do custo dos materiais empregados na construção civil da base de cálculo do imposto sobre serviços (ISS).

Após interposição de Agravo Regimental e troca de relatoria, o RE nº 603.497/MG somente foi a julgamento pelo plenário do STF em 29 de junho de 2020, ou seja, dez anos após a decisão monocrática pela dedução ampla ou genérica. No julgamento colegiado, o Pretório Excelso ratificou a constitucionalidade da dedução do valor dos materiais da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil, ao mesmo tempo em que esclareceu como preceito infraconstitucional a definição do alcance do vocábulo “materiais” para fins da dedução tributária, cabendo ao STJ a sua interpretação. Em síntese, o STF julgou constitucional o entendimento histórico do STJ pela dedução restritiva do valor dos materiais da base de cálculo do ISSQN:

DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. CONSTRUÇÃO CIVIL. BASE DE CÁLCULO. MATERIAL EMPREGADO. DEDUÇÃO. RECEPÇÃO DO ART. 9º, § 2º, “A”, DO DL 406/1968. ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE NÃO DESTOA DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, reafirmada na decisão agravada, circunscreve-se a asseverar recepcionado, pela Carta de 1988, o art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/1968, sem, contudo, estabelecer interpretação sobre o seu alcance nem analisar sua subsistência frente à legislação que lhe sucedeu – em especial, a LC 116/2003 -, tarefas de competência do Superior Tribunal de Justiça.

2. No caso, o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, objeto do recurso extraordinário, não destoou da jurisprudência desta Suprema Corte, porque, sem contrariar a premissa de que o art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/1968 foi recepcionado pela atual ordem constitucional, e considerada, ainda, a superveniência do art. 7º, § 2º, I, da LC 116/2003, restringiu-se a delimitar a interpretação dos referidos preceitos infraconstitucionais, para concluir pela ausência, na espécie, dos requisitos para a dedução, da base de cálculo do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), de materiais utilizados no fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil.

3. Agravo interno conhecido e parcialmente provido, para, reafirmada a tese da recepção do art. 9º, § 2º, do DL 406/1968 pela Carta de 1988, assentar que sua aplicação ao caso concreto não enseja reforma do acórdão do STJ, uma vez que aquela Corte Superior, à luz do estatuído no art. 105, III, da Constituição da República, sem negar a premissa da recepção do referido dispositivo legal, limitou-se a fixar-lhe o respectivo alcance.

Foram então interpostos Embargos de Divergência, dando continuidade ao trâmite do Recurso Extraordinário. Aproximadamente três meses após o acórdão, a surpresa então veio da 2ª Turma do STJ, que, em interpretação confusa, firmou, em 21 de setembro de 2020, acórdão pela dedução ampla do valor dos materiais no AgInt no AREsp nº 1.620.140/RJ (trânsito em julgado em 16/04/2021):

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TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL ISSQN. SERVIÇO DE CONCRETAGEM. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DOS MATERIAIS EMPREGADOS PELO PRESTADOR DE SERVIÇO. LEGALIDADE. JURISPRUDÊNCIA SÓLIDA DO STJ. JULGAMENTO DO RE 603.497/MG PELO PLENO DO STF. [...]

4. O STF, ao avaliar o RE 603.497, com repercussão geral, asseverou ser possível deduzir, da base de cálculo do ISSQN, o valor referente aos materiais empregados na construção civil.

5. Recentemente o Pleno do Supremo Tribunal Federal julgou o referido RE, em que assentou que o art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/1968 foi recepcionado pela atual ordem constitucional. Também concluiu que a exegese do STJ sobre o aludido artigo legal, verbis, ‘é restritiva, mas não se mostra ofensiva à Constituição da República’ (RE 603.497/MG, AgR-segundo, Relatora Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2020, publicado em 13-08-2020).

6. Agravo Interno provido para conhecer do AREsp e negar provimento ao Recurso Especial.

A essa decisão seguiram-se outras duas, também da 2ª Turma do STJ, no sentido da dedução ampla do valor dos materiais, sendo uma em 2021, no AgInt no AREsp nº 1.892.536/RJ (trânsito em julgado em 19/08/2022), e outra em 2022, no AgInt no AREsp nº 1.900.715/SP (trânsito em julgado em 03/05/2022).

Enquanto isso, no âmbito do RE nº 603.497/MG, o STF rejeitara os Embargos de Divergência, com o trânsito em julgado do processo em 3 de fevereiro de 2023. Da decisão monocrática do STF até fevereiro de 2022, o STJ computou em torno de trinta acórdãos no sentido da dedução ampla do valor dos materiais.

O novo capítulo do imbróglio sobreveio em 14 de março de 2023, ou seja, aproximadamente um ano após a última decisão da 2ª Turma do STJ pela dedução ampla. Instaurando uma “nova” antiga jurisprudência sobre o tema, a 1ª Turma decidiu pela retomada da interpretação histórica do STJ pela dedução restritiva do valor dos materiais em acórdão para o Recurso Especial nº 1.916.376/RS (trânsito em julgado em 12/05/2023):

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO COMBATIDO. DECISÃO SURPRESA. INEXISTÊNCIA. ISS. BASE DE CÁLCULO. SERVIÇO DE CONCRETAGEM. DEDUÇÃO DOS MATERIAS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. [...]

2. Esta Corte Superior há muito consolidou o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS. Precedentes.

3. O Supremo Tribunal Federal, ao proferir o primeiro julgamento do RE 603.497/MG (Tema 247 do STF), em 31/08/2010 (DJ 16/09/2010), decidiu reformar acórdão do STJ com fundamento no entendimento do Pretório Excelso sobre a ‘possibilidade de dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil’.

4. A partir desse momento, esta Corte Superior, buscando alinhar a sua jurisprudência à referida decisão da Suprema Corte, começou a decidir naquele mesmo sentido, como se observa, a título de exemplo, no AgRg nos EAREsp n. 113.482/SC, relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 27/2/2013, DJe de 12/3/2013.

5. Entretanto, mais recentemente, em 03/07/2020 (publicação da ata de julgamento em 13/07/2020), nos mesmos autos do RE 603.497/MG, o STF deu parcial provimento a agravo interno para, reafirmando a tese de recepção do art. 9º, § 2º, do DL n. 406/1968 pela Constituição de 1988, assentar que a aplicação dessa tese naquele caso concreto não ensejou reforma do acórdão do STJ, ficando evidenciada, no referido julgamento, a intenção do Pretório Excelso de preservar a orientação jurisprudencial que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou no âmbito infraconstitucional acerca da impossibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção civil.

6. Diante desse último pronunciamento da Suprema Corte no julgamento do seu Tema 247, há de voltar a ser prestigiada a vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema.

7. Hipótese em que a parte autora nem sequer alegou, muito menos comprovou, que comercializou de forma apartada os materiais empregados nos serviços de concretagem e submeteu o valor deles à tributação pelo ICMS, de modo que não faz jus à pretendida dedução da base de cálculo de ISS.

8. Recurso especial desprovido.

A essa decisão seguiu-se outra, também da 1ª Turma do STJ, no sentido da dedução restritiva do valor dos materiais, em junho de 2023, no AgInt no AREsp nº 1.548.130/SP (trânsito em julgado em 15/08/2023). Divergências interpretativas entre turmas do STJ não são incomuns, mas geram considerável insegurança jurídica, como aconteceu no caso. Muitos operadores não sabiam e alguns ainda não sabem qual orientação seguir. Como diretriz, pode ser citada a decisão do STJ nos EAREsp nº 600.811/SP (2019), em que ficou consignado que nesse tipo de divergência prevalece a decisão que por último transitou em julgado. Contudo, compreendem alguns que só se verá superada a dissensão através de decisão em Embargos de Divergência pela 1ª Seção, a fim de que prevaleça o entendimento da 1ª Turma, pela dedução restritiva, ou da 2ª Turma, pela dedução ampla.

Não obstante, em 22 de agosto de 2023 a Corte Especial do STJ, por ocasião do julgamento do AgInt no RE nos EDcl no REsp nº 1.166.703/MG, decidiu pela dedução restritiva do valor dos materiais da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA, CONSTRUÇÃO CIVIL. MATERIAL EMPREGADO. RECEPÇÃO DO ART. 9º, § 2º, A, DO DECRETO LEI N. 406/1968. CONSTITUCIONALIDADE. TEMA N. 247/STF. SEGUIMENTO NEGADO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. De acordo com o entendimento do STF firmado no julgamento do RE n. 603.497 RG/MG, ‘o art. 9º, § 2º, a, do DL 406/1968 foi recepcionado pela atual ordem constitucional, e considerada, ainda, a superveniência do art. 7º, § 2º, I, da LC 116/2003, restringiu-se a delimitar a interpretação dos referidos preceitos infraconstitucionais, para concluir pela ausência, na espécie, dos requisitos para a dedução, da base de cálculo do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), de materiais utilizados no fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil’ (Tema n. 247/STF).

2. Conforme o precedente vinculante: ‘A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, reafirmada na decisão agravada, circunscreve-se a asseverar recepcionado, pela Carta de 1988, o art. 9º, § 2º, a, do DL 406/1968, sem, contudo, estabelecer interpretação sobre o seu alcance nem analisar sua subsistência frente à legislação que lhe sucedeu – em especial, a LC 116/2003 -, tarefas de competência do Superior Tribunal de Justiça’. Além disso: ‘O acórdão do Superior Tribunal de Justiça, objeto do recurso extraordinário, não destoou da jurisprudência desta Suprema Corte, porque, sem contrariar a premissa de que o art. 9º, § 2º, a, do DL 406/1968 foi recepcionado pela atual ordem constitucional, e considerada, ainda, a superveniência do art. 7º, § 2º, I, da LC 116/2003, restringiu-se a delimitar a interpretação dos referidos preceitos infraconstitucionais, para concluir pela ausência, na espécie, dos requisitos para a dedução, da base de cálculo do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), de materiais utilizados no fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil’. Concluiu o julgado: ‘Agravo interno conhecido e parcialmente provido, para, reafirmada a tese da recepção do art. 9º, § 2º, do DL 406/1968 pela Carta de 1988, assentar que sua aplicação ao caso concreto não enseja reforma do acórdão do STJ, uma vez que aquela Corte Superior, à luz do estatuído no art. 105, III, da Constituição da República, sem negar a premissa da recepção do referido dispositivo legal, limitou-se a fixar-lhe o respectivo alcance.’

3. Agravo interno a que se nega provimento.

O referido julgado da Corte Especial teve acórdão negando provimento ao Agravo Interno por unanimidade, com o voto de treze ministros. Na ocasião, três dos quatro ministros da 2ª Turma (consta um cargo vago), que tem as três decisões recentes pela dedução ampla do valor dos materiais, participaram do julgamento, e, portanto, votaram pela dedução restritiva.

A negativa de “subida” do Recurso Extraordinário pela Corte Especial do STJ ratificou que as decisões no Recurso Especial nº 1.166.703/MG, inclusive o acórdão da 2ª Turma de 2010, estão em conformidade com o entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado em regime de repercussão geral, nos termos da Lei nº 13.105/15 (CPC), art. 1.030, I, “a”, segunda parte. Em suma, o órgão especial do STJ determinou que se aplica a interpretação pela dedução restritiva do valor dos materiais da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil, visto que de acordo com o Tema de Repercussão Geral nº 247 do STF (RE nº 603.497/MG). O processo referente ao REsp nº 1.166.703/MG transitou em julgado em 04 de setembro de 2023, deveras encerrando a contenda.

4. Dedução do valor de subempreitadas

Resguarda-se capítulo à parte para o tema da dedução do valor das subempreitadas da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil visto que suscita discussões, mesmo após a consolidação da matéria sobre a dedução do valor de materiais. A empreitada é a atividade negocial em que o contratado assume a obrigação de entregar (executar) um obra perfeita e acabada, mediante o emprego de mão-de-obra, e, em muitos casos, de bens materiais, revelando natureza específica e infungível (MELO, 2008, p. 84). A subempreitada é uma parte da empreitada terceirizada pelo empreiteiro contratado para a execução da obra (MORAES, 1975, p. 236):

Subempreitada é denominação que se oferece à empreitada menor, isto é, à empreitada secundária. Por meio de subempreitadas são executados trabalhos parcelados, contratados pelo empreiteiro-construtor. Quem recebe obras para executar, pode dividir o trabalho com terceiros, fazendo contratos menores parcelados (subempreitadas). O construtor de edifício pode servir-se dos trabalhos de encanador, serralheiro, eletricistas, pedreiros, subcontratando-os por empreitada (subempreitada).

Acerca da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil, permanecem interpretações divergentes quanto à possibilidade de dedução do valor das subempreitadas. Isso porque o STJ tem jurisprudência histórica até 2011 no sentido de que a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço de construção civil contratado, entendimento esse retomado em março de 2023, após longo hiato devido à decisão monocrática do STF no RE nº 603.497/MG, posteriormente modificada pelo plenário da Corte Constitucional. Até 2011 o STJ teve em torno de vinte acórdãos decidindo pela impossibilidade de dedução do valor das subempreitadas da base de cálculo do ISSQN e de 2011 a 2018 teve em torno de dez acórdãos permitindo a dedução.

A retomada da jurisprudência pela dedução restritiva do valor dos materiais aplicados na obra de construção civil traz consigo a impossibilidade da dedução do valor das subempreitadas pelo próprio argumento. O Recurso Extraordinário nº 603.497/MG, em acórdão do julgamento do Segundo Agravo Regimental, traz, obter dictum, a impossibilidade da dedução do valor das subempreitadas na interpretação do STJ por ocasião do REsp nº 926.339/SP (2007). Além disso, o STF, no âmbito do AgRg no RE nº 599.582/RJ (2011), julgou que o entendimento esposado no RE nº 603.497/MG, embora tenha se limitado à dedução da base de cálculo do ISSQN dos gastos com materiais de construção, também se aplica ao valor das subempreitadas. Ora, esse juízo, emitido na vigência da decisão monocrática pela dedução ampla do valor dos materiais, deve, por coerência, aplicar-se à posterior decisão de plenário pela dedução restritiva.

Da mesma forma ocorreu no Recurso Especial nº 1.916.376/RS, que retomou a jurisprudência histórica do STJ. O acórdão cita como precedentes o REsp nº 256.210/MG (2000), o REsp nº 779.515/MG (2006), o AgRg no AREsp nº 1.189.255/RS (2010) e o AgRg nos EDcl no REsp nº 1.081.617/RS (2010), todos no sentido da impossibilidade da dedução do valor das subempreitadas da base de cálculo do ISSQN.

Por fim, no AgInt no RE nos EDcl no REsp nº 1.166.703/MG, a Corte Especial do STJ negou a dedução do valor das subempreitadas da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil ao ratificar a decisão da 2ª Turma no julgamento do Recurso Especial.

A interpretação mais comum no sentido da dedução do valor das subempreitadas trata da inexistência de revogação, tácita ou expressa, do § 2º do art. 9º do Decreto-lei nº 406/68 (PAULSEN; MELO, 2021, p. 527). A interpretação divergente aduz que, apesar da recepção do dispositivo pela Constituição de 1988, como decidido no RE nº 603.497/MG, a dedução parece não estar abarcada pela jurisprudência do STJ a partir do REsp nº 1.916.376/RS exatamente pela ausência de previsão na lei de normas gerais do ISSQN vigente, ou seja, na Lei Complementar nº 116/03.

Outra divergência digna de referência decorre da discussão sobre a cumulatividade do ISSQN. A doutrina majoritária compreende o ISSQN como imposto cumulativo, ou seja, imposto cujo valor dos custos da atividade não pode ser deduzido da base de cálculo. Nesse sentido, a subempreitada, enquanto terceirização de parte do serviço de construção civil, atrai a incidência do ISSQN, tal qual ocorre com a empreitada. A corrente contrária, que entende o ISSQN como imposto não cumulativo, assim argumenta, dentre outros motivos, pela previsão em lei da dedução do valor das subempreitadas, considerada vigente a regra do Decreto-lei nº 406/68 (BARRETO, 2018, p. 409). Outro argumento pela dedução do valor das subempreitadas refere-se ao fato de que o benefício foi pretendido pelo legislador complementar na edição da Lei Complementar nº 116/03, mas vetado por erro redacional, já que o previa para “subempreitadas sujeitas ao imposto” quando o correto seria para “subempreitadas já tributadas” (HARADA, 2014, p. 296).

Resta o enfrentamento da previsão em lei municipal da dedução do valor das subempreitadas. O Município, ente constitucionalmente dotado de autonomia política, administrativa e financeira, tem competência para instituir e arrecadar os tributos que lhe foram conferidos pela Carta Magna. Dessa forma, se a lei municipal prevê a concessão de benefício fiscal a determinado segmento empresarial, como no caso da dedução do valor das subempreitadas da base de cálculo do ISSQN para o segmento da construção civil, tal previsão, em tese, se aplica. Ressalta-se, entretanto, que há entendimento assinalando que as deduções da base de cálculo do ISSQN limitam-se às previstas na lei de normas gerais nacional em função de possível inconstitucionalidade formal.

Com a consolidação da jurisprudência dos tribunais superiores no sentido da não dedução da base de cálculo do ISSQN, salvo nas condições expressamente estabelecidas pela Lei Complementar nº 116/03, há que se trazer à discussão o interesse público na manutenção do benefício fiscal de dedução do valor das subempreitadas em lei municipal. A partir do momento em que a lei de normas gerais tributárias, com jurisprudência consolidada, não permite tal supressão no cálculo do imposto a recolher, especialmente tratando-se de benefício fiscal aplicado somente a uma parte dos contribuintes, pode-se estar de uma renúncia de receita. Nos termos da Lei Complementar nº 101/00, Lei de Responsabilidade Fiscal, qualquer renúncia de receita deve estar acompanhada de previsão em orçamento e medidas de compensação, dentre outros requisitos. Tamanha é a importância da norma complementar citada, que a sua inobservância pode ensejar ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa, com penas de perda da função pública, suspensão de direitos políticos, multas etc.

Dessa forma, a fim de resguardar juridicamente o gestor público municipal, ou seja, o Prefeito, contra tão severa imputação, é aconselhável a revogação do benefício fiscal de dedução do valor das subempreitadas da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil, ou, alternativamente, deve o Município efetuar a previsão da referida renúncia de receita em lei orçamentária anual, com as devidas compensações e outras medidas previstas na legislação aplicável.

5. Outras deduções da base de cálculo

Além da dedução do valor dos materiais da base de cálculo do ISSQN, prevista na Lei Complementar nº 116/03, e da dedução do valor das subempreitadas, prevista no Decreto-lei nº 406/68 e em algumas leis municipais, alguns contribuintes intentaram efetuar o recolhimento do ISSQN com a dedução do valor da locação de equipamentos e máquinas utilizados na prestação dos serviços de construção civil.

Geralmente é alegado que o valor despendido com a contratação de ferramentas, como furadeiras, marteletes, betoneiras, politrizes, escadas, andaimes etc., e até o valor referente aos serviços executados por máquinas de grande porte, como rolo compactador de solo, retroescavadeira, carregadeira telescópica etc. não fazem parte da base de cálculo do ISSQN por não compreenderem pagamentos referentes a serviço. Seriam, esses gastos, locação de bens móveis cujo valor não se sujeita à incidência do imposto municipal, nos termos da Súmula Vinculante do STF nº 31.

Em verdade, nas obras de construção civil de médio e grande porte essas “locações” nada mais são que prestações de serviço compostas pelo fornecimento de um bem móvel (máquina, caminhão etc.) em conjunto com um operador devidamente qualificado a operá-lo. Além da inequívoca identificação da atividade como serviço (serviço de transporte de areia, serviço de recapeamento asfáltico etc.), não cabe o fracionamento do objeto contratual para fins de tributação, como já decidiu o STJ no AgRg na Recl nº 14.290/DF (2014). Ademais, o STF já deliberou pela incidência do ISSQN nos contratos de prestação de serviços concomitante à locação de bens móveis, como no julgamento do AgRg no ARE 656.709/RS (2014).

Os gastos com contratação de equipamentos constituem custo do serviço prestado, como em qualquer outra atividade de prestação de serviços incidente pelo ISSQN. Por exemplo, o advogado não deduz da base de cálculo o valor despendido com uma cópia de documento necessária ao protocolo de determinado processo, visto que a base de cálculo do ISSQN, no caso, é o preço do serviço de advocacia contratado.

A execução de uma obra utiliza materiais não fornecidos (não transferidos) ao cliente e não agregados à obra, como veículos, equipamentos, peças, máquinas, bens de consumo em geral, equipamentos de proteção individual (EPI) etc., porém o valor desses materiais compõe a base de cálculo do ISSQN (MANGIERI; MELO, 2019, p. 84).

A dedução do valor de equipamentos nunca foi aceita pelos fiscos municipais porque não prevista na lei nacional e porque algumas leis municipais expressamente vetam-na. Por vezes, a dedução do valor de materiais somada à dedução de valor de equipamentos chega a oitenta ou mesmo noventa por cento do valor do serviço de construção civil contratado, praticamente suprimindo o imposto a recolher. Alguns contribuintes efetuam essas deduções mesmo quando não refletem a realidade da obra com a certeza de que os fiscos, por carência de pessoal e de meios tecnológicos, não alcançarão a totalidade das fraudes, e porque mesmo se autuados ainda terão lucro, pois já deixaram de recolher o imposto em períodos atingidos pela decadência tributária ou porque discutirão a autuação no judiciário ao menos por cinco anos, período suficiente para preparar-se financeiramente para o pagamento, o que acabam realizando através de longos parcelamentos, às vezes, de dez anos.

Os fiscos municipais, em função desse tipo de prática e da decisão monocrática do STF pela dedução ampla do valor dos materiais em 2010, iniciaram uma série de ações a fim de mitigar as simulações de uso de materiais nas obras, através de procedimentos rígidos de comprovação nos documentos e declarações fiscais, restrições na legislação e investimentos em sistemas informatizados. Nas auditorias fiscais são requisitadas as provas documentais do uso na obra dos materiais declarados cujo valor foi deduzido da base de cálculo do ISSQN, o que raramente é atendido, gerando grande volume de ações judiciais, mesmo com a jurisprudência pacífica do STJ pela necessidade da efetiva comprovação documental para que o contribuinte possa gozar do benefício fiscal de redução da base de cálculo, como pode ser visto no julgamento do AgInt no AREsp nº 895.947/PR (2016).

Após a decisão monocrática do STF pela dedução ampla do valor dos materiais, lamentavelmente surgiram algumas decisões judiciais extrapolando as deduções da base de cálculo do ISSQN previstas em lei. Foi o caso do julgamento pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul na Apelação Cível nº 70084881499 (2021), que admitiu a dedução do valor dos equipamentos, sem apreciar o fato de que não se trata de materiais agregados à obra, mas da prestação de serviços de máquinas de grande porte:

APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ISS. BASE DE CÁLCULO. SERVIÇO DE ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO CIVIL. MATERIAIS E EQUIPAMENTOS FORNECIDOS. DEDUÇÃO. CABIMENTO.

Legalidade da dedução do custo dos materiais e equipamentos empregados na construção civil da base de cálculo do imposto sobre serviços (ISS). Matéria julgada com repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 543-B do CPC, l, quando do julgamento do RE 603.497/MG. Aplicação do art. 7º, § 2º, I, da Lei Complementar nº 116/03 e do item 7.02 da Lista de Serviços Anexa à referida Lei Complementar. [grifos nossos]

Observe-se que a decisão do TJ-RS referencia o RE nº 603.497/MG, que em momento algum menciona dedução do valor de equipamentos. Ainda, o voto da Desembargadora relatora, traz como precedentes do STJ o AgRg nos EAREsp nº 113.482/SC (2013), o AgRg no AREsp nº 520.626/MG (2014) e o AgRg nos EREsp nº 1.360.375/ES (2014), três decisões que em momento algum citam dedução do valor de equipamentos.

Em verdade, o STJ tem jurisprudência consolidada no sentido de que os materiais e equipamentos utilizados nos serviços de construção civil estão sujeitos ao ISSQN. Esse enfrentamento foi realizado em reiteradas oportunidades, ao tratar do diferencial de alíquota do ICMS e do conflito de competência do ISSQN com o imposto estadual, somando, somente na década de 2000, em torno de vinte acórdãos pela incidência do ISSQN. A matéria inclusive foi objeto de Recurso Repetitivo resultando no Tema nº 261. O leading case, Recurso Especial nº 1.135.489/AL (2009), é claro pela incidência exclusiva do ISSQN nos serviços de construção civil, englobando o uso de máquinas e equipamentos:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. ICMS. DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS. EMPRESAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL. MERCADORIAS ADQUIRIDAS PARA UTILIZAÇÃO NAS OBRAS CONTRATADAS. OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. NÃO INCIDÊNCIA. [...]

2. É que as empresas de construção civil, quando adquirem bens necessários ao desenvolvimento de sua atividade-fim, não são contribuintes do ICMS. Conseqüentemente, ‘há de se qualificar a construção civil como atividade de pertinência exclusiva a serviços, pelo que ‘as pessoas (naturais ou jurídicas) que promoverem a sua execução sujeitar-se-ão exclusivamente à incidência de ISS, em razão de que quaisquer bens necessários a essa atividade (como máquinas, equipamentos, ativo fixo, materiais, peças, etc.) não devem ser tipificados como mercadorias sujeitas a tributo estadual’ (José Eduardo Soares de Melo, in ‘Construção Civil - ISS ou ICMS?’, in RDT 69, pg. 253, Malheiros).’ (EREsp 149.946/MS). [grifo nosso]

Outra incompatível dedução da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil é encontrada em algumas leis municipais ao permitirem o recolhimento do imposto através de uma receita presumida. Nessa hipótese, o contribuinte tem a opção de apurar o imposto através de um valor presumido da receita que forma a base de cálculo, portanto há uma presunção do valor dos materiais empregados na obra. Tal permissivo vai de encontro à jurisprudência vigente, podendo também configurar uma renúncia de receita, ainda mais óbvia que a dedução do valor das subempreitadas. O valor que o Município deixa de arrecadar com esse benefício fiscal segmentado e, por vezes, superior a cinquenta por cento do valor do imposto calculado sobre a totalidade do serviço.

6. Conclusão

Tem sido conflituosa a definição da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil, especialmente com o vai e vem jurisprudencial dos tribunais superiores, sem a afirmação de uma tese que se aplique à totalidade ou à maioria dos eventos econômicos sujeitos à exação municipal. Tanto o Decreto-lei nº 406/68 quanto a Lei Complementar nº 116/03 trouxeram regras razoavelmente claras das deduções permitidas. As várias controvérsias decorreram de infindáveis teses acerca do quanto se entende ser justo pagar a título do imposto municipal. É uma discussão válida no âmbito político, sob o controle da população, mas não na esfera judicial. Se a lei não traz o valor desejado, que se mude a lei, mas que não se faça dela interpretação de conveniência e antijurídica.

A discussão acerca da dedução do valor dos materiais da base de cálculo do ISSQN nos serviços de execução e de reforma de obras de construção civil parece finalmente encerrada com a retomada da jurisprudência histórica do STJ pela dedução restritiva, ratificada pela decisão da Corte Especial em agosto de 2023. Considerando que o Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/15, em seu art. 927, V determina que os juízes e os tribunais observarão a orientação do órgão especial ao qual estiverem vinculados, é de se esperar, salvo uma reviravolta, que os órgãos fracionários do STJ (e as instâncias judiciais inferiores) sigam a mencionada orientação da Corte Especial, órgão especial do Tribunal, conforme art. 2º, I de seu Regimento Interno. Ressalta-se que essa interpretação concentra maior fidelidade ao texto da lei e privilegia a segurança jurídica.

A dedução do valor das subempreitadas da base de cálculo do ISSQN ainda deve gerar alguma celeuma, mas pela lógica da jurisprudência histórico-recente do STJ sobre a dedução do valor dos materiais deve ser igualmente tratada como uma impossibilidade. O Decreto-lei nº 406/68 foi recepcionado pela ordem constitucional vigente, todavia não se aplica naquilo que for incompatível com as leis editadas na vigência do sistema tributário nacional criado pela Carta de 1988, nos termos do ADCT. A dedução do valor das subempreitadas não foi incorporado pela nova legislação, ou seja, pela Lei Complementar nº 116/03, e, portanto, não mais se aplica.

Outra questão que se mostra relevante no debate é a imprudência da manutenção dessa dedução em lei municipal, podendo ser tipificada como renúncia de receita. Da mesma forma, aplica-se o entendimento à chamada receita presumida ou base de cálculo presumida da construção civil, uma renúncia de receita ainda mais grave prevista em algumas leis municipais. Já a tese da dedução do valor dos equipamentos utilizados na prestação dos serviços de construção civil, não prevista na lei nacional nem abarcada pela jurisprudência dos tribunais superiores e pela doutrina, deve ser abolida imediatamente.

Consoante a extensa análise legislativa e jurisprudencial realizada, é impositivo o desfecho pelo entendimento segundo o qual a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS. Se essa é a melhor opção para a tributação de um segmento empresarial relevante à sociedade é questão que pode ser discutida no âmbito político do Congresso Nacional.

A aplicação das leis tributárias requer interpretação jurídica e apolítica, sendo a neste trabalho apresentada hermeneuticamente adequada à lei posta e à Constituição, além de harmônica à jurisprudência que ora se consolida nos tribunais superiores. A exegese dotada de razoabilidade e praticidade provê segurança jurídica e contribui para a moderação dos conflitos e do contencioso administrativo e judicial na tributação do ISSQN. A pacificação do tema da base de cálculo do ISSQN nos serviços de construção civil dependerá também da colaboração dos fiscos municipais e dos contribuintes, num esforço conjunto pela promoção da justiça e do desenvolvimento à sociedade brasileira.

REFERÊNCIAS

BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na lei. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2018.

HARADA, Kiyoshi. ISS: doutrina e prática. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014.

MANGIERI, Francisco Ramos; MELO, Omar Augusto Leite. ISS na construção civil. 4. ed. rev., ampl., atual. Bauru, SP: edição dos autores, 2019.

MELO, José Eduardo Soares de. ISS - aspectos teóricos e práticos. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2008.

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do imposto sobre serviços. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975.

PAULSEN, Leandro; MELO, Omar Augusto Leite. ISS: CF e LC 116 comentadas. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

Sobre o autor
Tarciano José Faleiro de Lima

Auditor-Fiscal do Município de Porto Alegre. Pós-graduado em Direito Público e Gestão Pública. Professor. Escritor.

Informações sobre o texto

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