Reforma Tributária, e o Imposto Mundial Sobre as Big Techs.

31/07/2023 às 18:53
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Um Imposto Mundial Sobe as Big Techs?

No último mês, após três dias de negociações na sede da OCDE, em Paris, a maioria dos países aprovou uma declaração revelando novos detalhes sobre os planos para que as 100 maiores empresas do mundo paguem mais impostos onde operam.

Os países concordam em mais 18 meses para aprovar medidas globais sobre impostos sobre big techs, sendo o Canadá( e outros 4 países), a exceção.

Mais de 130 países estenderam uma polêmica proibição de impostos sobre gigantes da tecnologia por mais um ano, até 2025, tempo necessário para entrarem em acordo sobre a forma da cobrança. Ao mesmo tempo também concordaram em adiar os planos de introduzir impostos nacionais sobre serviços digitais por mais 12 meses, a fim de ter mais tempo para ratificar o inovador acordo tributário global que assinaram no outono de 2021, mas ainda não aprovaram.

Tente imaginar quanto representa para as 100 maiores empresas do mundo a economia com esse retardo na cobrança?

Lembro que a introdução de uma série de impostos sobre serviços digitais seria um obstáculo à ratificação do acordo, pois ter uma colcha de retalhos de medidas nacionais frustraria o propósito de chegar a um acordo sobre uma solução global coordenada.

Outros quatro países que participam das negociações não aprovaram a declaração: Belarus, Paquistão, Rússia e Sri Lanka.

As discussões centraram-se na forma de implementar um pilar fundamental do acordo fiscal global. O "Pilar I" envolveria a redistribuição de US$200bilhões anuais de lucros das multinacionais para os países onde as vendas são feitas, e exige uma mudança na legislação fiscal global.

Mas os países continuam discutindo sobre a redação exata da linguagem jurídica.

Os países, por sua vez, também concordaram com medidas destinadas a garantir que o acordo seja aprovado na maioria das jurisdições, mesmo que não seja ratificado em todos os países participantes das negociações.

A polarização política nos EUA torna improvável que seja capaz de ratificar o acordo no Congresso, onde as mudanças nos tratados tributários exigem uma maioria de dois terços no Senado; Atualmente, a Câmara está dividida por 51 a 49 a favor dos democratas.

No entanto, de acordo com as medidas acordadas na última semana, o tratado só terá de ser assinado por 30 jurisdições, desde que representem um mínimo de 60% das 100 empresas afetadas pelas mudanças. Os países teriam de assinar antes do final de 2023.

O derretimento da velha economia leva junto os modelos tributários mundiais, que não conseguem acompanhar os novos desenhos da nova economia (compartilhada, de atenção etc), cuja forma de apurar suas receitas cria uma série de dificuldades para máquina fazendária.

Essas big techs, tem seu valor ampliado na medida da sua importância e mais ainda da expectativa dos novos papéis que essas empresas devem assumir na nova economia. Nesse momento, Apple, Amazon, Alphabet (dona do Google), Microsoft e Facebook valiam juntas no ano passado, cerca de seis trilhões de dólares, esse valor é quatro vezes maior que o PIB brasileiro. Veja PIB da China e dos Estados Unidos superam a casa dos US$ 6 trilhões. E o que essas empresas produzem? O que fabricam em suas próprias fábricas que não seja terceirizado, ficando encarregada “apenas” pelo conhecimento, o valor principal, o ativo intangível.

A mudança do capitalismo, com essa concentração de negócios e de dados representa um desafio para o Direito Regulatório, evitar e estabelecer limites ao exercício dessa concentração é uma obrigação. O Intangível é o senhor da nova economia, pois, de meados do século 20 para cá, o capitalismo passa por uma estonteante mutação. As mercadorias corpóreas ficaram em segundo plano, enquanto a fabricação industrial de signos assumiu o centro da geração de valor. Assim o capital trabalha para o desejo, não mais para a necessidade, e as informações criam e modulam os desejos, fabricando e ajustando demandas.

Tente ver quanto a sua cidade tributa o Facebook pelos conteúdos patrocinados? Tente ver quanto o Google paga de ISS na sua cidade?

Parece claro que a tecnologia é um ambiente que dota as empresas com uma capacidade desenfreada de exercer o poder monopólio em muito menos tempo do que antes, e isso exige que os governos tenham muito mais pressa em sua regulação. A situação atual, com essas empresas pagando milhões de dólares em lobby políticos de todas as cores para tentar evitar, ou pelo menos atrasar o inevitável, transforma a tarefa regulatória em um caminho cheio de obstáculos.

Enquanto isso, com o privilégio de tributações favorecidas, as empresas de tecnologia entram em áreas como saúde ou exploração espacial, que antes pareciam reservadas ao poder econômico e à tomada de riscos dos governos, e olham com preocupação para os efeitos de suas ações no mercado ou na sociedade como um todo.

O mundo acelera uma ofensiva regulatória para diminuir o poder das big techs, e ao mesmo tempo tributar essas empresas com cargas mais justas. Facebook, Google, Amazon, Apple ou Microsoft nos Estados Unidos; ou Baidu, Alibaba, Tencent, ByteDance ou Didi na China estão, após anos de bonança e regulação propícia, sob os holofotes de seus respectivos governos ou de outros territórios.

Com uma legislação tributária obsoleta, com a ausência de medidas universais, e países dispostos a sacrificar renda de curto prazo para atraí-las para seu território, permitiram que essas empresas crescessem com cargas tributárias em alguns países de 2% ou 3% sem cometer qualquer crime. Essa possibilidade, que também foi aproveitada por multinacionais de outras áreas não tecnológicas, permitiu que elas competissem vantajosamente contra pequenas empresas incapazes de acessar esses incentivos fiscais, gerando um ambiente em que a inovação era cada vez mais restrita.

Segundo uma análise da Bloomberg Economics no primeiro semestre de 2021, mostrou que a alíquota média de impostos das 50 maiores empresas do mundo caiu de 35,5% em 1990 para 17,4% no ano passado. Facebook (12,2%) e Amazon (11,8%) pagaram abaixo dessa alíquota em 2020.

A criação de uma tributação mundial para essas empresas, põe fim a mais de 30 anos de redução progressiva das alíquotas, pagas por grandes empresas multinacionais, à medida que os diversos países do mundo tentavam atrair seus investimentos por meio de isenções fiscais e taxas de impostos absurdamente reduzidas. São os primeiros passos para o fim de uma guerra fiscal mundial, na concordância que na nova economia as big techs precisam pagar mais do que pagam hoje.

Reforço que juntos, os 138 países e jurisdições parte do acordo representam cerca de 90% do produto interno bruto (PIB) global, segundo comunicado.

A declaração conjunta ocorre após 20 meses de negociações técnicas entre representantes, desde a primeira reunião sobre o acordo em outubro de 2021. Na nota, a OCDE explica que a convenção multilateral permitiria aos países realocar e exercer direito tributário doméstico sobre uma parcela dos lucros residuais de multinacionais. Além disso, a "Regra Sujeita a Tributação" (STTR, em inglês) permitiria aos países em desenvolvimento atualizar os tratados fiscais bilaterais para "tributar de volta" certas rendas, sujeitas a tributação baixa ou nominal em outra jurisdição.

Em nota, a OCDE projeta que a assinatura do acordo seria aberta no segundo semestre deste ano, com o projeto final entrando em vigor durante o ano de 2025. A partir disso, os países poderiam seguir com a consulta interna, os processos legislativos e administrativos aplicáveis em cada jurisdição.

Destaco que a mesma pandemia que acelerou a transformação digital no mundo também faz com que governos parem pra rediscutir o seu modelo fiscal.

A única certeza que todos temos, é que a pós a pandemia todos de uma maneira quase que geral ficamos mais pobres, e poucos são os que conseguiram ficar mais ricos, e essa lógica fica ainda mais acentuada com a transformação digital.

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Os novos movimentos, com a Reforma Tributária, indicam uma tendência, de que o Brasil reduza a tributação do lucro na empresa e passe a tributar a distribuição (aproximando o modelo brasileiro do vigente na maioria dos países desenvolvidos), é importante que estejamos preparados para discutir o tratamento da renda não realizada das pessoas mais ricas. Acompanhar a discussão que ocorrerá sobre a proposta de Biden é um bom começo. Dado o risco de mudança de domicílio fiscal (mais relevante no Brasil que nos EUA), o ideal é que a solução para o problema fosse global, e não apenas doméstica.”

A tecnologia que mostra a nossa evolução é sempre a mesma que instrumentaliza a desigualdade e as nossas diferenças, é o acesso igual e isonômico a ela que funciona como agente da transformação.

Tecnologia desiguala empresas seus produtos e serviços, cria um fosso entre pessoas, registra e aprova o tamanho da desigualdade e serve de certidão para o a indelével marca da desumanidade e barbárie que não diminui com o tempo, apenas altera as suas formas.

Olhe ao seu redor, nas calçadas das nossas cidades, sejam elas grandes ou médias, onde muitas vezes adolescentes caminham com seus celulares de último modelo, e seguem digitando interagindo nas suas redes sociais enquanto o mundo passa aos seus olhos. Na mesma calçada o pedinte incrédulo, que tudo observa, acompanha o caminhar de todos na esperança de encontrar solidariedade e atenção em meio a passos apressados, dedos nervosos e olhos atentos às telas dos seus celulares.

Certamente o universo parece caminhar em velocidades distintas, numa formação de astros que não conversam a mesma linguagem, e tampouco a mesma trajetória, nas ruas onde a miséria cresce quase que na mesma velocidade dessa tecnologia.

O efeito dessa nova economia, está bem destacado na obra, “O capital no século XXI”, do economista francês Thomas Piketty que analisou a crescente disparidade de posses entre uma minoria de muito ricos e o resto do mundo. Nos Estados Unidos, em 2014, o 0,01% mais rico, que consiste em apenas 16 mil famílias, controlava 11,2% de toda riqueza, o que pode ser comparado a 1916, época da maior desigualdade mundial. Hoje o mesmo 0,1% detêm cerca de 22% da riqueza total, o mesmo que 90% de toda população na base da pirâmide, sendo que igual distorção não é muito diferente na Europa.

É preciso repensar o modelo tributário, pra que ele possa corrigir distorções e se adequar aos novos fatores da economia digital, do contrário estaremos diante apenas de novas e mais amplas desigualdades sociais.

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Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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