Inventário e Partilha Judicial

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Quando a pessoa falece, automaticamente abre-se a sua sucessão e, nesse momento, por uma ficção, todo o patrimônio é transmitido aos herdeiros que passam a ser os titulares e proprietários do acervo patrimonial do falecido. Importante mencionar que tanto as obrigações positivas (o patrimônio em si) como as obrigações negativas (ou seja, as dívidas) são transmitidas aos herdeiros.

Trata-se, pois, do princípio da saisine existente no nosso ordenamento jurídico no artigo 1.784 do Código Civil, o qual prevê que “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

O princípio da Saisine pode ser conceituado como uma ficção jurídica em que ocorrendo a morte de uma determinada pessoa os seus bens serão imediatamente transferidos aos sucessores (legítimos e testamentários). Isso se dá com o propósito de evitar que esses bens fiquem sem titular enquanto ocorre todo o trâmite de transferência definitiva dos bens do de cujus para os herdeiros1.

Todo acervo hereditário passa aos herdeiros, sendo que, até a partilha, os bens são indivisíveis e regulados pelas normas relativas ao condomínio. Por isso o herdeiro possui quinhão. O inventário é necessário para dissolver o condomínio que se cria após a morte.

O inventário, então, decorre de um fenômeno jurídico chamado saisine e trata-se de um processo de (1) identificação e arrecadação dos bens positivos e negativos do falecido e (2) identificação das pessoas para quem os bens se destinam.

A herança, por outro lado, é o resultado líquido dos bens positivos e dos bens negativos, ou seja, partilha-se o restante após o abatimento das dívidas do falecido.

O herdeiro somente pode se beneficiar com a herança, ele somente recebe o resultado positivo da arrecadação. Isso significa que se o resultado do inventário for negativo, o herdeiro não responde por isso. Se não há patrimônio suficiente para pagamento da dívida, a dívida, portanto, deixa de existir. O processo de inventário serve como prova de que o de cujus não possui patrimônio suficiente para pagamento das dívidas.

O processo de inventario é obrigatório, tanto é que possui prazo de 2 (dois) meses após o falecimento para ser instaurado. Não há no Código de Processo Civil ou no Código Civil qualquer sanção caso o processo seja aberto após esse prazo. Contudo, a Lei Estadual de São Paulo nº. 10.705/00 determina que os herdeiros estão sujeitos à uma multa de elevação do imposto causa mortis, sendo ela no valor de 10% sobre o valor do ITCMD no inventário e multa de 20% se o atraso exceder 180 dias.

Trata-se de um processo puramente documentado. É o que determina o artigo 612 do Código Civil que prevê “o juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas”.

Noutro dizer, no juízo de inventário todas as questões provadas documentalmente serão resolvidas, privilegiando o princípio da celeridade, sendo que o procedimento não comporta, por exemplo, audiência de instrução para a oitiva de testemunhas ou reconhecimento de união estável.

Sobre o tema:

Em questões exclusivamente de direito, o juiz deve dar a solução adequada, por mais complexa que seja; entretanto, quando se tratar de questões de fato, estas só podem ser solucionadas no inventário se já comprovadas nos autos. Remeterá o juiz para as vias ordinárias, portanto, o exame das questões fáticas que pendam de outras provas, a serem discutidas ou pesquisadas com mais profundidade2.

A contrario sensu, ainda que complexa ou intrincada, se a questão de direito for solucionável pela simples produção e valoração da prova documental, necessariamente a decisão deve ser tomada no próprio processo de inventário, sendo vedado ao juiz remeter o caso para as vias comuns. Fácil concluir, portanto, que o processo de inventário e partilha é eminentemente documental, fundado em provas préconstituídas, pois há restrições legais a produção de algumas provas. 1.2. Exemplificativamente, não será possível a comprovação, no próprio processo de inventário, da existência de união estável com o autor da herança (que demanda prova oral)3.

Possui legitimidade para ingressar com a ação: o cônjuge ou companheiro supérstite; o herdeiro; o legatário; o testamenteiro; o cessionário do herdeiro ou do legatário; o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança; o Ministério Público, havendo herdeiros incapazes; a Fazenda Pública, quando tiver interesse e o administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou do cônjuge ou companheiro supérstite.

Contudo, apesar dessa legitimidade concorrente listada acima e prevista no artigo 616 do CPC, fazendo uma leitura em conjunto dos artigos 613, 614 e 615 do CPC, pressupõe-se que o procedimento será instaurado pelo administrador provisório, ou seja, aquele que está na posse e com o poder fático na herança.

O processo de inventário inicia-se com uma petição inicial simples em que o administrador da herança noticia a morte do autor da herança e indica os bens e herdeiros identificados.

A figura do administrador provisório não se confunde com a figura do inventariante. É um equívoco pensar que aquele que abre o inventário é aquele que será nomeado inventariante. O administrador provisório continua atuando até que se nomeie o inventariante. É o que determinar o artigo 613 do CPC: “até que o inventariante preste o compromisso, continuará o espólio na posse do administrador provisório”.

Tem legitimidade para ser nomeado inventariante pelo Juiz: I - o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste; II - o herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio, se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados; III - qualquer herdeiro, quando nenhum deles estiver na posse e na administração do espólio; IV - o herdeiro menor, por seu representante legal; V - o testamenteiro, se lhe tiver sido confiada a administração do espólio ou se toda a herança estiver distribuída em legados; VI - o cessionário do herdeiro ou do legatário; VII - o inventariante judicial, se houver; VIII - pessoa estranha idônea, quando não houver inventariante judicial. Contudo, essa ordem prevista no artigo 617 do CPC é relativizada no sentido de que as partes podem convencionar quem seria o melhor inventariante. Também, quando há grande disputa entre os herdeiros em relação à nomeação do inventariante, o Juiz pode indicar inventariante dativo com objetivo de minimizar o conflito entre as partes.

Após a nomeação do inventariante, há a necessidade de apresentação das primeiras declarações, documento em que deve ser feita uma descrição do condomínio hereditário. Trata-se de uma projeção sobre as pessoas que devem participar do inventário e sua posição jurídica, bem como o patrimônio que compõe o acervo hereditário.

Contudo, as primeiras declarações não é um esboço definitivo, elas são submetidas ao contraditório. Feitas as primeiras declarações, o juiz mandará citar para manifestação no prazo de 15 dias o cônjuge, o companheiro, os herdeiros e os legatários e intimar a Fazenda Pública, o Ministério Público, se houver herdeiro incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se houver testamento.

São basicamente três questões que podem ser trazidas nas manifestações em relação às primeiras declarações: I - arguir erros, omissões e sonegação de bens, ou seja, arrecadação patrimonial incorreta; II - reclamar contra a nomeação de inventariante, desde que não tenha participado sobre a eleição anterior; III - contestar a qualidade de quem foi incluído no título de herdeiro.

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Se houver controvérsia em relação a algum ponto das primeiras declarações, o Juiz decidirá.

Após o processo de arrecadação do patrimônio, deve-se verificar se há dívidas do falecido a serem pagas, sendo que poderão os credores do espólio requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis por meio de petição, acompanhada de prova literal da dívida, que será distribuída por dependência e autuada em apenso aos autos do processo de inventário.

Após a liquidação, o inventariante apresenta últimas declarações e, ouvidas as partes no prazo comum de 15 (quinze) dias, proceder-se-á ao cálculo do tributo.

A nomenclatura “inventário e partilha”, embora não seja propriamente perfeita, está presente no Código de Processo Civil e no Código Civil. Quando se fala em inventário e partilha, pressupõe-se que há algo a partilhar, ou seja, que existe uma situação em que efetivamente há um saldo patrimonial que no fim deve ser partilhado. Porém, isso nem sempre acontece no inventário, pois em alguns casos o processo sucessório não terá resultado positivo – não haverá partilha.

Ainda, o termo “partilha” pressupõe que existe mais de um beneficiário, ao passo que pode acontecer a existência de apenas um herdeiro. Nesse caso, não há partilha e sim uma adjudicação da herança.

Se ficar evidenciado no curso do processo que o desfecho do inventário será positivo e que existem bens que estão vocacionados a ficar com determinados herdeiros, o juiz poderá, em decisão fundamentada, deferir antecipadamente a qualquer dos herdeiros o exercício dos direitos de usar e de fruir de determinado bem, com a condição de que, ao término do inventário, tal bem integre a cota desse herdeiro, cabendo a este, desde o deferimento, todos os ônus e bônus decorrentes do exercício daqueles direitos. Isso pode acontecer a qualquer momento do inventário desde que esteja evidente que o desfecho do inventário será positivo.

Antes mesmo de formalizada a partilha, poderá o juiz, com apoio no parágrafo único do art. 647, desde logo deferir a qualquer dos herdeiros o exercício imediato do direito de uso e fruição de determinado bem integrante da herança líquida. A correspondente decisão, devidamente fundamentada (como de resto devem ser todas as decisões judiciais), apesar de antecipatória tem eficácia definitiva, pois o efetivo exercício do direito pelo herdeiro beneficiado acarretará necessariamente a inclusão do bem em seu quinhão hereditário, assumindo ele ainda, a partir de então, todos os ônus e bônus resultantes do exercício4.

Não precisa de consenso dos demais herdeiros, basta o pedido de antecipação dos efeitos da partilha ao juiz, sendo que o herdeiro ficará na responsabilidade pelo pagamento das despesas de referido bem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTÔNIO CARLOS MARCATO (Procedimentos Especiais, 16ª ed., São Paulo: Atlas, 2016, n. 143.1.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed., vol. III, São Paulo: Malheiros, 2004.

SEBASTIÃO AMORIM E EUCLIDES DE OLIVEIRA (in Inventários e Partilhas, ed. 21. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2008.

Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença: Comentários ao CPC de 2015”, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2016.

Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier – 1º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.


  1. TJSP; Agravo de Instrumento 2093878-42.2023.8.26.0000; Relator (a): Rogério Murillo Pereira Cimino; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 8ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 20/06/2023; Data de Registro: 20/06/2023

  2. SEBASTIÃO AMORIM E EUCLIDES DE OLIVEIRA (in Inventários e Partilhas, ed. 21. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2008. pp. 326/327.

  3. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença: Comentários ao CPC de 2015”, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2016, p. 1034

  4. ANTÔNIO CARLOS MARCATO (Procedimentos Especiais, 16ª ed., São Paulo: Atlas, 2016, n. 143.1, p. 198

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