A usucapião extrajudicial

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Não importa qual seja a modalidade de usucapião, preenchidos os requisitos legais a propriedade foi adquirida automaticamente. Trata-se de forma de aquisição originária de propriedade, faltando apenas providências para regularizar.

A usucapião, também conhecida como prescrição aquisitiva, é uma forma originária de aquisição da propriedade. Consiste em uma posse prolongada no tempo de um bem móvel ou imóvel, acompanhada de certos requisitos e restrições estabelecidos pela lei1.

A ação, portanto, tem natureza declaratória, servindo apenas para que se reconheça a aquisição da propriedade e para que se tenha título para serventia imobiliária.

Caso outra pessoa ajuíze ação reivindicando a coisa com base na propriedade, o réu – aquele que preencheu os requisitos para usucapião – pode, em sede de defesa, alegar usucapião. No plano de direito, o réu já se tornou proprietário e aquele que ajuíza a ação dizendo ser legitimado por ser proprietário, não é mais, ele perdeu no momento da aquisição pelo outro por usucapião.

O artigo 1.071 do Código de Processo Civil alterou o artigo 216-A, da Lei de Registros Públicos, que trouxe o procedimento da usucapião extrajudicial. A matéria também foi regulamentada pelo Provimento 65 do CNJ de 14/12/2017.

Reunidos os requisitos e tendo condições, não é obrigatória a utilização da via extrajudicial, facultando-se ao interessado propor a ação judicial se assim decidir.

Aquele que entende que os requisitos foram preenchidos, independentemente da modalidade de usucapião, representado por um advogado, pode fazer o pedido extrajudicial diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo.

O pedido, que é fundado em justo título ou outro documento que comprove a origem da posse deverá, no que couber, preencher os requisitos da petição inicial previstos no artigo 318 do CPC e deve vir acompanhado de uma série de documentos (previstos no artigo 3º e 4º do Provimento 65 e no artigo 216-A do CPC). São eles:

(1) ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores. Os detalhes e os requisitos formais para a elaboração da ata notarial estão no Provimento 65/2017 do CNJ, devendo ser elaborada por tabelião do município onde se encontra o imóvel usucapiendo.

(2) justo título, se houver, ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel. No caso de ausência ou insuficiência desses documentos, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante a serventia extrajudicial (o Cartório de Registro de Imóveis), inclusive para produção de prova oral, sendo que esse procedimento obedecerá, no que couber, o procedimento da produção antecipada de provas prevista no Código de Processo Civil.

(3) planta e memorial descritivo do imóvel usucapiendo que indique quais são os imóveis confrontantes, quais as medidas que demarcam o separar dos imóveis, os proprietários e o que mais puder ser constatado, inclusive ascensões; esse documento deve ser assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo (inclusive o proprietário registral) ou na matrícula dos imóveis confinantes; o proprietário registral e o proprietário do imóvel confinante devem assinar o memorial com objetivo de demonstrar que não há conflito. Ou seja, uma vez que o procedimento é extrajudicial, é indispensável que todos estejam de acordo. No caso de o imóvel usucapiendo ser unidade autônoma de condomínio edilício, fica dispensado o consentimento dos titulares de direitos reais e outros direitos registrados ou averbados na matrícula dos imóveis confinantes e bastará a notificação do síndico, ficando dispensada a notificação de todos os condôminos.

(4) com objetivo de demonstrar que a posse é mansa e pacífica (que não há qualquer ação possessória pendente), devem ser juntadas certidões negativas dos distribuidores da comarca (cível e criminal) da situação do imóvel e do domicílio do requerente.

Tal exigência se faz necessária para prova da posse, que em qualquer caso de usucapião deve ser mansa e pacífica. A posse deve ser mansa e pacífica em relação aos titulares anteriores que, conhecendo a posse do requerente, não questionaram a existência da situação de fato durante todo o prazo. Nesse sentido, o possuidor não sofre oposição pelo titular atual do direito real, que deve assinar a planta e pelos anteriores, em relação ao exercício de sua posse, o que se prova pelas certidões2.

Se a planta e o memorial descritivos não contiverem a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância. Contudo, caso não seja encontrado o notificando ou caso ele esteja em lugar incerto ou não sabido, tal fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretado o silêncio do notificando como concordância.

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O oficial de registro de títulos e documentos será instado para fins de que entregue documento que cientifica à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município sobre o pedido extrajudicial, para que se manifestem em 15 (quinze) dias.

Também, o oficial de registro de títulos e documentos promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.

O oficial de registro de imóveis, que está organizando e avaliando o pedido, para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderá solicitar ou realizar diligências.

Transcorrido o prazo de 15 dias para que terceiros se manifestem sobre o pedido, inexistindo diligências pendentes determinadas pelo oficial de registro de imóveis e estando em ordem toda a documentação apresentada, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição da propriedade com as descrições apresentadas no memorial, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso. Ou, ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.

A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião.

O procedimento extrajudicial além de célere é potente no sentido de trazer uma solução jurídica em um espaço de tempo curto, comparado com a ação judicial.

Verifica-se que, até aqui, não há qualquer tipo de conflito ou lide ou abertura para contestação.

A usucapião não se perfaz, portanto, sem um plus, ou seja, sem uma espécie de composição amigável entre o requerente e todos aqueles eventualmente atingidos pelo reconhecimento da prescrição aquisitiva. Por isso, quem se dirige ao oficial registrador chamando pela usucapião extrajudicial já sabe, ou deve saber, de antemão, quais serão as chances de êxito nessa via, diante da necessidade de obtenção de prévio consentimento expresso de todos os interessados3.

Em caso de impugnação justificada do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar o requerimento para adequá-la ao procedimento comum. Ou seja, o procedimento que era extrajudicial torna-se judicial uma vez que passa a ter conflito.

Porém, em caso de impugnação injustificada, esta não será admitida pelo registrador, cabendo ao interessado o manejo da suscitação de dúvida.

O CNJ, com objetivo de unificar esse procedimento extrajudicial e evitar aplicações diferentes por cada Cartório de Registro de Imóveis, editou o Provimento nº 65, de 14.12.2017 que estabelece diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial nos serviços notariais e de registro de imóveis. Esse Provimento possui 27 artigos e traz algumas peculiaridades do procedimento, principalmente com o objetivo de que a interpretação do artigo 216-A seja feita de forma uniforme Brasil afora. Contudo, a rigor, o procedimento legal é aquele trazido no artigo 216-A da Lei de Registros Públicos explanado acima.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, v.5: direito das coisas. 16ª ed. São Paulo. Saraiva. 2021

MELLO, Henrique Ferraz Corrêa de. Usucapião Extrajudicial. São Paulo: YK, 2016.

Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, Direito das Coisas, São Paulo: Saraiva, 1996.

PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, 13. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, vol. IV.

Scavone Junior, Luiz Antonio,– Direito imobiliário – Teoria e prática/Luiz Antonio Scavone Junior. – 9.ª ed. – rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro : Forense, 2015.


  1. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, v.5: direito das coisas. 16ª ed. São Paulo. Saraiva. 2021

  2. Scavone Junior, Luiz Antonio,– Direito imobiliário – Teoria e prática/Luiz Antonio Scavone Junior. – 9.ª ed. – rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro : Forense, 2015, pg. 1.240.

  3. MELLO, Henrique Ferraz Corrêa de. Usucapião Extrajudicial. São Paulo: YK, 2016, p. 323

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