Controlador interno municipal deve ser efetivo

07/04/2023 às 16:26
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O tema tem trazido inúmeros debates acerca da constitucionalidade do provimento do cargo de controlador municipal por nomeações ad hoc, além de sua influência nas atividades do sistema de controle interno do ente público.

Em 8 de junho de 2020, no Recurso Extraordinário nº 1.264.676-SC, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão da relatoria do ministro Alexandre de Moraes, decidiu que o ocupante do cargo de Controlador Interno, ou Auditor de Controle Interno, deve ser preenchido por servidor efetivo.

Na oportunidade, ficou assentado o seguinte, conforme o dispositivo do acórdão que segue:

 

...Diante do exposto, com base no art. 21, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, DOU PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 2º, 3º e 4º da LC 22/2017, do Município de Belmonte/SC, na parte em que estabeleceu o provimento dos cargos de Diretor de Controle Interno e de Controlador Interno por meio de cargo em comissão ou função gratificada.

 

Ora, como é consabido, com tal decisão, o sodalício reitera sua própria jurisprudência, a qual de há muito vem confirmando a necessidade dos cargos técnicos serem providos por servidores efetivos.

Nesse sentido, decisão paradigmática proferida no RE n. 1.041.210-SP com repercussão geral reconhecida, verbis:

 

Criação de cargos em comissão. Requisitos estabelecidos pela Constituição Federal. Estrita observância para que se legitime o regime excepcional de livre nomeação e exoneração. Repercussão geral reconhecida. Reafirmação da jurisprudência da Corte sobre o tema. 1. A criação de cargos em comissão é exceção à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público de provas ou provas e títulos e somente se justifica quando presentes os pressupostos constitucionais para sua instituição. 2. Consoante a jurisprudência da Corte, a criação de cargos em comissão pressupõe: a) que os cargos se destinem ao exercício de funções de direção, chefia ou assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) que o número de cargos comissionados criados guarde proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os institui; e d) que as atribuições dos cargos em comissão estejam descritas de forma clara e objetiva na própria lei que os cria. 3. Há repercussão geral da matéria constitucional aventada, ratificando-se a pacífica jurisprudência do Tribunal sobre o tema. Em consequência disso, nega-se provimento ao recurso extraordinário. 4. Fixada a seguinte tese: a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir. (g. n.)

 

Destarte, a primeira constatação que fazemos é a total reverência ao artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal, os quais prescrevem que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” e “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.

Além disso, a Constituição da República, em seu artigo 74, prescreve a obrigação dos poderes de manterem sistema de controle interno. Eis os seus termos:

 

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

§ 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. (g. n.)

 

De seu turno, em se tratando dos Estados e municípios, eventual denuncia deve ser dirigida ao Tribunal de Contas do Estado ou ao Tribunal de Contas Municipal, onde houver.

Seguindo essa linha, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui reiterada jurisprudência sobre a necessidade de contratação por concurso público de agente para o exercício do cargo de controle interno.

Nessa senda, eis a ementa formulada pelo Procuradoria Geral de Justiça na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2210799-21.2022.8.26.0000, verbis:

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS COMPLEMENTARES Nº 171, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2013, E Nº 215, DE 28 DE MAIO DE 2015, DO MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA D’OESTE. FUNÇÕES EM CONFIANÇA DE “CHEFE DE SETOR DE CONTROLE INTERNO E AUDITORIA DE CONTRATOS” E “CHEFE DE DEPARTAMENTO DE CONTROLADORIA”. TECNICIDADE E PROFISSIONALIDADE. EXIGÊNCIA DE POSTO DE PROVIMENTO EFETIVO. IMPOSSIBILIDADE DE INSTITUIÇÃO DE FUNÇÃO DE CONFIANÇA. INCONSTITUCIONALIDADE (ARTS. 35, 111, 115, II E V, 144 E 150 DA CE). TEMA 1.010 DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. Inconstitucionalidade de dispositivos normativos criadores de funções de confiança para o exercício das atribuições de Controle Interno, que são técnicas – conforme se depreende dos arts. 35 e 150 da Constituição Estadual, aquele que reproduz o art. 74 da Constituição Federal – e exigem a criação de posto de provimento efetivo. 2. A instituição de funções em confiança em substituição aos necessários cargos de provimento efetivo compromete a própria finalidade constitucional do Controle Interno, que requer a necessária independência para o exercício do mister. 3. Matéria explicitada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 1.264.676/SC e corroborada pelo colendo Órgão Especial (ADI 2272457-80.2021.8.26.0000, ADI 2283660-39.2021.8.26.0000, ADI 2273979-45.2021.8.26.0000, ADI 2238648-02.2021.8.26.0000 e ADI 2236151- 15.2021.8.26.0000). 4. Violação aos arts. 35, 111, 115, II e V, 144 e 150 da Constituição Estadual.

 

Portanto, nas trilhas do princípio da simetria e pelos textos constitucionais, em especial do Estado de São Paulo, as Leis Orgânicas Municipais devem seguir as trilhas de seu respectivo Estado, a fim de que a legislação tenha uma relação simétrica e coerente, prestigiando, em última análise, o princípio da igualdade entre os cargos públicos.

Outrossim, o louvável o enunciado elaborado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo acerca da necessidade da chefia da Advocacia Pública Municipal ser ocupada por procurador de carreira deve ser estendida à Controladoria Pública Municipal para fins de controle de constitucionalidade. Eis os seus termos:

 

ENUNCIADO Nº 35 “CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. CARGOS EM COMISSÃO. ADVOCACIA PÚBLICA. As atividades da Advocacia Pública (assessoria e consultoria a entidades e órgãos da Administração Pública), inclusive sua Chefia, são reservadas a profissionais recrutados por concurso público”. (g. n.)

 

Aliás, em analogia ao que assentou a Suprema Corte em relação aos procuradores municipais no Recurso Extraordinário n. 663.696-MG1, os controladores internos se inserem nas funções essenciais à fiscalização contábil, financeira e orçamentária dos entes públicos, integrando as carreiras típicas de Estado, merecendo garantias especiais do legislador.2

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Nada obstante, o teto remuneratório dos Controladores Municipais é o subsídio do Prefeito, conforme o artigo 37, inciso XI, da Constituição de Outubro3.

De outro vértice, conforme pontuaram os professores Bolzan e Almeida em aula de pós gradução da rede LFG,

 

Isso porque, a ausência de estabilidade desses servidores admite ingerências políticas nas suas atuações a ponto de que, se não for feita a irregularidade exigida pelo chefe do executivo local, por exemplo, o servidor comissionado será exonerado no dia seguinte, sem a necessidade de expor qualquer motivo para o seu desligamento. Por outro lado, a estabilidade do servidor efetivo/concursado lhe confere maior autonomia de trabalho, pois a sua demissão do serviço público depen­derá de processo administrativo prévio, que lhe conferirá a ampla defesa.

 

Concluindo, além de limitar sobremaneira a atuação da Controladoria Interna como órgão de Estado e função essencial ao sistema de controle interno, a possibilidade de nomeação de um servidor extramuros ou de fora da carreira é certamente desprestigiadora daqueles que dedicam horas de estudo e dias de privação para ingresso no cargo de Controlador Municipal nas urbes do país, além de comprometer a imparcialidade da função.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA de, Fabrício Bolzan; ALVES, Gustavo Duarte Nori. Poder Público em Juízo. Valinhos: 2018.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 7 abr. 2023.

SÃO PAULO. Ministério Público. Enunciados de entendimento. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Assessoria_Juridica/sumulas_de_entendimento. Acesso em: 7 abr. 2023.

Supremo Tribunal Federal. STF decide que teto remuneratório de procuradores municipais é o subsídio de desembargador de TJ. 28 de fevereiro de 2019. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=404724&caixaBusca=N. Acesso em: 7 abr. 2023.

 

1 EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL ACERCA DO TETO APLICÁVEL AOS PROCURADORES DO MUNICÍPIO. SUBSÍDIO DO DESEMBARGADOR DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA, E NÃO DO PREFEITO. FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.

2 Segundo o artigo 247 da Constituição Cidadã, as leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41 e no § 7º do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado.

3 A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.

Sobre o autor
Celso Bruno Tormena

Criminólogo e Mestrando em Direito. Procurador Municipal e Professor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Os gestores municipais tem olvidado na criação das controladorias-gerais, mormente porque não previstas expressamente na Constituição Federal. Nada obstante, a sua ausência implica na inexistência de um controle interno imparcial e independente, em prejuízo ao interesse público primário.

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