A violência nas escolas e a omissão da GCM

07/04/2023 às 13:29
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Temos visto uma reiterada violência dentro dos órgãos públicos, especialmente os municipais, enquanto as guardas civis debatem sobre a expansão de suas atribuições e até mesmo a alteração de sua nomenclatura.

Palavras-chave: Direito Constitucional. SEGURANÇA PÚBLICA. Direito municipal. GUARDAS MUNICIPAIS. BENS MUNICIPAIS.

 

Conforme amplamente noticiado no dia 5 de abril de 2023, um homem de 25 anos pulou o muro de uma creche em Blumenau, cidade de Santa Catarina, e atacou diversas crianças com uma machadinha, todas atingidas na região da cabeça. No total, 4 crianças foram mortas.1

Outrossim, alguns dias antes, em 27 de março de 2023, houve um ataque semelhante em uma escola da capital paulista. Nesse episódio, 3 pessoas ficaram feriadas e 1 professora foi morta.2

Além disso, na data de ontem (6 de abril de 2023), o subscritor foi até um posto de saúde na cidade de Santa Bárbara d’Oeste para vacinar seu filho, e lá encontrou uma situação inusitada: um servidor recepcionista negou atendimento a um cidadão por este não usar a máscara de proteção.

Na mesma hora, prevendo o pior, o autor olhou ao redor e não visualizou nenhum agente da segurança pública, em especial um guarda municipal. Pela benção cósmica, nenhuma violência aconteceu.3

O que queremos demonstrar com esses casos é que as escolas, tanto estaduais, quanto municipais, além de outros órgãos públicos, tem ficado órfãos de segurança pública.

Com efeito, segundo o artigo 144 da Constituição Federal de 1988, a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através, principalmente, da polícia militar e das guardas-civis municipais, que são “policias de rua”.

Ora, a polícia militar cabe a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Já as guardas municipais destinam-se a proteção dos bens, serviços e instalações municipais.

Destarte, a princípio podemos afirmar que a segurança das escolas estaduais cabe a polícia ostensiva, enquanto a das escolas municipais cabe a guarda metropolitana, salvo convênio entre as entidades, quando então a questão da segurança caberia a guarda municipal em ambas as instituições.

Nada obstante, o que temos visto e denunciado desde há muito é que as guardas-civis tem tentado usurpar a competência da polícia militar, e as vezes até mesmo da Polícia Civil4, num bis in idem da segurança pública, deixando de exercer sua função constitucional precípua.5

Conforme o próprio artigo 4º da Lei Federal n. 13.022 de 2014, é competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município.

Ademais, o dispositivo alhures afirma que os bens mencionados abrangem os de uso comum, os de uso especial e os dominiais (ou dominicais).

Nessa senda, o artigo 99, inciso II, do Código Civil de 2002 prescreve que os bens de uso especial são os edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias.

Portanto, os edifícios onde residem as escolas públicas são bens de uso especial, e a sua proteção foi confiada a guarda-civil municipal, que tem falhado nesse particular.

Evidentemente, o patrulhamento no entorno, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XVIII, do Estatuto Geral das Guardas Municipais, é insuficiente para coibir a violência dentro das escolas.

Aliás, exatamente nesse sentido escreveu o Procurador de Justiça Luiz Marrey, em excelente crítica, para quem6:

 

A Guarda Municipal pode ser útil mantendo-se no estrito limite constitucional de sua existência, estando presente nos parques e escolas municipais e suas proximidades, nos terminas municipais dos transportes, nos prédios municipais, nos mercados municipais e atuando junto a serviços municipais no seu regular exercício do poder de polícia municipal. Se isso efetivamente ocorresse já seria ótimo e desoneraria a polícia estadual de ter presença nesses locais. Como é óbvio, o exercício do poder de polícia municipal, nas atividades que lhe são próprias, não se confunde com a atividade de polícia judiciária ou de manutenção da ordem pública, deferidas aos estados. No entanto, em diversas cidades, não é isso que ocorre, sendo o limite claramente ultrapassado, com tolerância ou autorização do prefeito municipal e omissão de autoridades que deveriam impor o limite da lei, em nome da necessidade de segurança pública ou do justo temor dos cidadãos quanto à criminalidade. (g. n.)

 

De seu turno, o Ministério Público do Estado de São Paulo, com base em suas atribuições constitucionais, expediu a Resolução de n. 1.516 de 22 de agosto de 2022-CPJ, com a finalidade de criação de Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial em seu âmbito, além de outras providências.7

Outrossim, em seu artigo 1º, o normativo instituiu, no âmbito das Promotorias de Justiça da Comarca da Capital e das demais Comarcas sedes de Departamento Estadual de Execução Criminal, o Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (GAESP), a ser instalado primeiramente na Capital e depois, gradativamente, nas demais sedes, como órgão de coordenação e execução das atividades de tutela coletiva da segurança pública e controle externo da atividade policial, integrado por Promotores de Justiça indicados pelas Promotorias de Justiça e designados pelo Procurador-Geral de Justiça, com prejuízo de suas atribuições normais, incumbindo-lhe a atribuição, em especial, “em relação à atividade de guarda municipal, considerando que não se trata de atividade policial, será feita a fiscalização do estrito cumprimento do disposto no art. 144, § 8º, da Constituição Federal”.

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Contudo, ao que tudo indica, foi mero ato pró-forma, visto que os órgãos policiais municipais continuam atuando em contrariedade as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça e até mesmo por alguns órgãos do Ministério Público.

Concluindo, enquanto as guardas-civis metropolitanas encampam lutas corporativistas e rasteiras como a mudança de seu nome para “polícia municipal”8, a população sofre com a falta de segurança pública nos próprios municipais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 7 abr. 2023.

BRASIL. Lei Federal No 13.022, de 8 de agosto de 2023. Estatuto Geral das Guardas Municipais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13022.htm. Acesso em: 7 abr. 2023.

MARREY, Luiz Antônio Guimarães. Quando a Guarda Municipal age como polícia, abre-se a porta para a violência. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-jul-11/mp-debate-guarda-municipal-age-policia-abre-porta-violencia?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook Acesso em: 4/8/2022.

TORMENA, Celso Bruno. A guarda civil municipal não é órgão da segurança pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6884, 7 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97322. Acesso em: 13 out. 2022.

 

1 Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2023/04/05/ataque-creche-blumenau.ghtml Acesso em: 7 abr. 2023.

2 Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/03/27/professores-e-alunos-sao-esfaqueados-dentro-de-escola-estadual-na-zona-sul-de-sp-diz-pm.ghtml Acesso em: 7 abr. 2023.

3 Em um hospital de Américo Brasiliense, no Estado de São Paulo, um homem esfaqueou 7 pessoas. Disponível em: https://liberal.com.br/brasil-e-mundo/brasil/homem-esfaqueia-7-pessoas-em-hospital-e-e-morto-pela-pm-no-interior-de-sp-1936603/?fbclid=IwAR1sKhJUOYPCaZOPOxSEVSma-seHxXw2W0En34MtGDHQ-DK6_SHQ8jxbYMs Acesso em: 7 abr. 2023.

4 HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. PROVA ILÍCITA. REVISTA PESSOAL REALIZADA POR GUARDA MUNICIPAL. ATIVIDADE DE INVESTIGAÇÃO. AUSÊNCIA DE ATRIBUIÇÃO. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. (HC n. 561.329-SP).

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. QUANTIDADE DE DROGAS E GERENCIAMENTO DO TRÁFICO NA LOCALIDADE. PRISÃO EM FLAGRANTE. GUARDA MUNICIPAL. DENÚNCIA ANÔNIMA. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. ILEGALIDADE. INEFICÁCIA DA PROVA. ORDEM CONCEDIDA. EFEITO EXTENSIVO. (HC n. 667.461-SP).

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5 TORMENA, Celso Bruno. A guarda civil municipal não é órgão da segurança pública. Revista JusNavigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6884, 7 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97322. Acesso em: 7 abr. 2023.

6 MARREY, Luiz Antônio Guimarães. Quando a Guarda Municipal age como polícia, abre-se a porta para a violência. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-jul-11/mp-debate-guarda-municipal-age-policia-abre-porta-violencia?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook Acesso em: 4 ago. 2022.

7 Disponível em: https://mpsp.mp.br/web/guest/w/do-23-08-2022 Acesso em: 27 ago. 2022.

8 Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/766474-projeto-preve-uso-da-denominacao-policia-municipal-por-corporacoes/ Acesso em: 7 abr. 2023.

Sobre o autor
Celso Bruno Tormena

Criminólogo e Mestrando em Direito. Procurador Municipal e Professor.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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