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A necessidade de motivação para dispensa de empregado público

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28/02/2023 às 16:55
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4. O ENTEDIMENTO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS

Depois das considerações feitas, tem-se por incontroverso que os empregados públicos, aqueles regidos pelas disposições trabalhistas, não têm direito à estabilidade. Entretanto, a questão sobre sua dispensa não passou ilesa pelas discussões jurisprudenciais, assim como o foi pela doutrina. A seguir será exposto o caminhar da jurisprudência, que culmina numa decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

4.1 A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL SDI Nº 247

A jurisprudência sobre o tema partiu do Superior Tribunal do Trabalho. Em 2001, após sucessivas vezes analisar o tema, o referido Tribunal editou a OJ-SDI1-247 nº 247, que, na reação original, consignava que a despedida dos empregados públicos, mesmo que concursados, não haveria necessidade de motivação do ato, exceto no que tangia à ECT.

OJ-SDI1-247 SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE (alterada – Res. nº 143/2007) - DJ 13.11.2007

I - A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;

II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.58

Devido à ausência de qualquer força vinculativa da orientação, no ano seguinte, 2002, o Tribunal Superior do Trabalho editou a súmula 390, buscando pacificar o tema. O entendimento esposado agora cingia-se sobre a estabilidade – que, conforme o cediço, realmente não existe,

Súmula nº 390 do TST. ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002 - e 22 da SBDI-2 - inserida em 20.09.2000).

II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)59

Naquele período vigia então o entendimento abrangente de a estabilidade aos celetistas abarcava os servidores que ingressassem na Administração Pública Indireta autárquica ou fundacional, excluindo os das empresas estatais, sendo que no último caso, sequer a motivação do ato era necessária.

A intenção da orientação jurisprudência era, de certo, interpretar o artigo 173, §1º, inciso II, da Constituição Federal. Naquele momento não se entendia pela derrogação parcial das regras particulares em detrimento das normas de Direito Pública, aplicando-se única e exclusivamente o Direito do Trabalho nas contratações dos empregados públicos realizadas até então.

Contudo, já naquele momento defendia-se o caráter sui generis demandado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, decorrente, sobretudo, da aproximação com o regime dado às Fazendas Públicas – como, por exemplo, a imunidade tributária, a execução via precatório, além de prerrogativas de foro, prazos e custas processuais diferenciadas.

O entendimento perdurou até os idos de 2013, em que houve o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Especial 589.998/PI, julgado como representativo da controvérsia e com caráter de repercussão geral.

4.2 O JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 589.998/PI

Descontente o entendimento adotado pelos integrantes da Justiça do Trabalho, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos se insurgiu buscando o mesmo tratamento dado às demais empresas públicas.

Em 2013 a questão chegou para análise do Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário 589.998/PI. Na oportunidade, conforme ementa colacionada, houve reversão da jurisprudência até então uníssona,

EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALEMENTE PROVIDO. I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso público, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III – A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art. 41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho. 60

O objetivo do julgamento, conforme constou do julgamento do referido recurso com repercussão geral, não foi conferir estabilidade aos empregados de empresas estatais, mas, sim, assegurar o atendimento aos princípios da impessoalidade e da isonomia. Destacou-se que esses princípios, observados também no momento do ingresso do agente, devem ser respeitados também por ocasião da dispensa, coibindo-se abusos, arbitrariedades e a concessão de privilégios, circunstâncias odiosas especialmente para os ditames do Direito Administrativo.

A tese adotada na oportunidade foi a de que a exigência de contratação do empregado público mediante concurso, que tem como escopo justamente o afastamento de situações de favorecimentos e, também, de perseguições, em razão do paralelismo das formas e consentâneo do postulado da razoabilidade, como registrado no voto do Ministro Ricardo Lewandowski,

O paralelismo entre os procedimentos para a admissão e desligamento dos empregados públicos, a meu ver, está, também, indissociavelmente ligado à observância do princípio da razoabilidade. É que, aos agentes do Estado, não se veda apenas a prática de arbitrariedades, mas se impõe também o dever de agir com ponderação, decidir com justiça e, sobretudo, atuar com racionalidade.61

E nesse sentido, em razão do paralelismo das formas, as questões do desligamento, em similitude com as da contratação, devem ser explicitamente apontadas, a fim de possibilitar que sejam auferidas na dispensa critérios objetivos ligados ao interesse público verdadeiramente.

Imperioso destacar que nas conclusões do julgado ressaltado que, não obstante as razões acima, a elas deve ser acrescentado o fato de que a res publica deve ser preservada, eis que pertencente ao Estado, isto é, à coletividade, bem como de que é decorrência do Estado Democrático de Direito que todas as decisões, ainda que proferidas na seara administrativa, têm como pressuposto que os destinatários possam impugná-las caso desejem.

Nos fundamentos do voto do relator, foi destacado ainda trecho do julgamento do Recurso Extraordinário 130.206/PR, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, notadamente do voto do Ministro Celso de Mello62,

Desde que é plena a submissão de todos – das empresas, inclusive – à normatividade plasmada na Constituição, não pode o empregador, especialmente quando assume a forma paraestatal de sociedade de economia mista (que é instrumento de atuação do Poder Público), elastecer o seu arbítrio, a ponto de despedir os seus empregados por motivos hostis e colidentes com o dever de respeito que o ordenamento constitucional impõe a todos, em exceção, no plano das liberdades do pensamento.

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No mesmo julgamento, que se estendeu a todas as empresas públicas estatais prestadoras de serviço público, garantiu-se o contraditório e ampla defesa, por configurar-se ato administrativo que restringe direitos de particulares.

O ato de dispensa foi equiparado para todos os efeitos a um ato que demanda motivação obrigatória, ainda que desnecessário um procedimento administrativo para o desligamento por rescisão unilateral.

Assentou-se que os motivos para a dispensa não se limitam àqueles elencados pela Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, o desligamento não será sempre por justa causa nos termos do artigo 482 da referida legislação. De toda sorte, deverá ser sempre motivado em razão idônea e que explicite os motivos da rescisão imotivada, nos termos da consideração da Ministra Cármen Lúcia sobre o obiter dictum: “é uma motivação legítima nos termos do interesse público, mas não é de justa causa nos termos trabalhistas”.63

O ponto crucial do julgamento é, portanto, que não só os Correios devem motivar os atos de dispensa, o que foi expressamente reafirmado, mas que também todas as demais empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviço público devem fazê-lo.

4.3 O JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 589.998/PI

Como se esperada, em razão da mudança significativa do entendimento, várias outras empresas públicas e sociedades de economia mista, que aderiram ao feito como amicus curiae, questionaram a extensão do julgamento da Suprema Corte do país e até que ponto seriam afetadas pela decisão em repercussão geral.

Foi assim que, em outubro de 2018, o Tribunal em sua formação plena decidiu fixar definitivamente a tese do julgamento, em sede de embargos de declaração: "A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) tem o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados”.64

A partir da fixação da tese, parte dos Tribunais Trabalhistas passaram a adotar o mesmo posicionamento do Tribunal Guardião da Constituição, inclusive no que tange a todos os empregados das sociedades de economia mista e empresas públicas.

4.4 O JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 688.267/CE

A discussão sobre a necessidade de motivação na dispensa dos empregados públicos não se encerrou com o julgamento do Recurso Extraordinário 589.998/PI. Em fevereiro de 2019, o Supremo Tribunal Federal admitiu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 668.267/CE.

Nesse recurso excepcional, interposto por um grupo de ex-empregados do Banco do Brasil que questionam a dispensa deles, realizada sem a devida motivação pela instituição financeira constituída sob a forma de sociedade de economia mista. Em sede de julgamento de Recurso de Revista, o Tribunal Superior do Trabalho havia afastado a necessidade de reintegração dos agentes dispensados sem motivação, demonstrando a controvérsia que permeia o tema até hoje.

O Recurso Extraordinário 688.267/CE teve seu provimento dado pelo Relator Ministro Teori Albino Zavascki, cuja consequência foi o reestabelecimento da decisão do juízo de piso no sentido de reintegrar os trabalhadores. A decisão foi proferida nos seguintes termos do aresto:

A irresignação merece prosperar. Esta Corte, em recentíssimo precedente do Plenário, decidiu que todas as todas as empresas públicas e sociedades de economia mista possuem o dever de motivar os atos de dispensa de seus empregados. Veja-se a ementa: “EMENTA: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS-ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALMENTE PROVIDO. I – Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II – Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso público, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III – A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV – Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art. 41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho. (RE 589.998, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Plenário, DJe de 12/9/2013)”.65

Contra a decisão foi interposto, pelo Banco do Brasil, Agravo Interno, sob o fundamento de distinguishing em relação ao Recurso Extraordinário 589.998/PI. Houve reconsideração pelo Ministro Alexandre de Moraes, cuja decisão monocrática foi ataca também por Agravo Interno, desta vez interposto pelos ex-funcionários.

O julgamento teve pedido de destaque pela Ministra Rosa Weber, que bem lembrou que a obiter dictum do julgamento anterior explorou exaustivamente a necessidade de motivação da dispensa dos agentes públicos empregados das empresas estatais, sem, contudo, se olvidar da tese do julgamento fixada exclusivamente sobre a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

Dada a controvérsia, o feito foi submetido ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que, nos termos do relator, “está presente matéria constitucional de indiscutível relevância, com potencial de afetar milhares de relações de trabalho e de repercutir na atuação dos bancos públicos no mercado financeiro”, reconhecendo, enfim, a repercussão geral do tema66.

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Por força da repercussão geral, desde fevereiro de 2019, todos os processos que versam sobre o assunto estão suspensos, tendo ingressado no feito, inclusive, alguns amicus curiae, como a Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras e Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro.

Ainda não é possível saber o que a jurisprudência trilhará sobre o tema, em razão das modificações de entendimento que já houve na história. Contudo, não menos certo é que a complexidade do caso se mostra maior, superando os debates iniciais, especialmente no que tange ao Recurso Extraordinário 589.998/PI. É necessário agora, aguardar as cenas dos próximos capítulos, evidentemente pelas mudanças no quadro dos ministros integrantes da Corte.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Nathalia Menezes. A necessidade de motivação para dispensa de empregado público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7181, 28 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102645. Acesso em: 20 mai. 2024.

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