O Crime e a Sanção Penal

21/01/2023 às 19:53
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O Crime e a Sanção Penal

Resumo. A ninguém é lícito violar, sem justa causa, a ordem jurídica; por isso, aos infratores são cominadas penas, que são o salário do crime. A não haver punição para o transgressor da lei, tornava-se impossível a vida em sociedade.

I. Convicto de crime, incide no réu a sanção do Direito Penal. A pena, estipêndio da violação do bem jurídico protegido, serve a dois propósitos capitais: expiação da falta cometida e advertência que não torne o réu a delinquir.

A lição de Nélson Hungria a tal respeito escusa outras mais que se possam arrolar: “A pena traduz primacialmente um princípio humano por excelência, que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que merece” (Novas Questões Jurídico-Penais, p. 131).

A faltar o justo castigo nos casos de ofensa à lei, a própria ordem social estava ameaçada; em verdade, unicamente com medidas eficazes de prevenção e de repressão é que a criminalidade cessa ou diminui.

II. Na boa formação da personalidade do indivíduo, com preponderância dos sadios princípios e valores morais e cívicos, é que a política de prevenção dos fatores criminógenos haverá deparar o seu verdadeiro e sólido fundamento; donde a máxima da experiência: Abrir escolas é fechar cadeias.

Mas, falhando os outros meios de contenção do crime — e desde que superior a toda a dúvida a culpabilidade do réu —, tem lugar a repressão: tocará ao Estado, por direito e dever indeclinável, fulminar-lhe punição.

A esperança da impunidade, com efeito, já o advertia o eloquente Cícero, passa pelo maior incentivo das práticas criminosas(1).

Ao infligir pena ao culpado, no entanto, será bem não desconsidere o Juiz a bela parêmia do clássico Manuel Bernardes: “Deve o rigor do castigo temperar-se sempre com a moderação da clemência” (Nova Floresta, 1728, t. V, p. 466).

III. À conta do relevo que imprimiu a circunstâncias que, em tese, podem mitigar a pena imposta a autor de furto, pareceu-me bem reproduzir aqui o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

PODER JUDICIÁRIO

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Quinta Câmara – Seção Criminal

Apelação Criminal nº 993.08.037871-1

Comarca: Mairiporã

Apelante: AARL

Apelado: Ministério Público

Voto nº 10.480

Relator

Não se exime da tacha de larápio (e, pois, cai sob o rigor da lei) o sujeito que, tendo‑se enfrascado em bebidas alcoólicas, entra em propriedade alheia, subtrai animal (boi), que abate, e da carne faz churrasco para amigos e vizinhos.

O argumento da embriaguez não aproveita ao infrator, exceto se completa e involuntária. A embriaguez voluntária, dispõe a lei que não elide a responsabilidade criminal do agente, porque não lhe exclui a imputabilidade (art. 28, nº II, do Cód. Penal).

– Ainda que do fato criminoso praticado na calada da noite não haja outras testemunhas mais que as estrelas do céu, incensurável é a sentença que, baseada em confissões extrajudiciais harmônicas e verossímeis, condena sujeitos acusados de abigeato, ou furto de gado.

A confissão atendível é raio de luz que ilumina de jato todos os escaninhos dos crimes ocultos, dissipa as dúvidas, orienta as ulteriores investigações e conforta de um só passo os escrúpulos do juiz e as preocupações de justiça dos homens de bem” (Hélio Tornaghi, Curso de Processo Penal, 1980, vol. I, p. 382).

Em obséquio ao espírito da lei — que previne todo prejuízo à jornada normal de trabalho do condenado (art. 46, § 3º, do Cód. Penal) —, é de bom exemplo, nos casos urgentes, alterar medida substitutiva penal aplicada ao réu (prestação de serviços à comunidade) para duas restritivas de direitos: interdição temporária de direitos (proibição de frequentar determinados lugares) e multa (arts. 44, § 2º, 43, nº V, e 47, nº IV, do Cód. Penal). Seria desarrazoado, com efeito, obrigá-lo a prestar serviços gratuitos à comunidade em detrimento da subsistência própria e da família.

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito da 1a. Vara da Comarca de Mairiporã, condenando-o à pena de 2 anos de reclusão, no regime aberto, e 10 dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por infração do art. 155, § 4º, nº IV, do Código Penal, interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com o escopo de reformá-la, AARL.

Nas razões de recurso, elaboradas por diligente patrono, afirma que a prova dos autos, precária e insegura, não justificava a edição do decreto condenatório.

Argumenta, ainda, que o réu praticara o fato em estado de embriaguez.

Destarte, espera que a colenda Câmara lhe proveja o recurso para absolvê-lo. Mas, se lhe mantiver o edito condenatório, pleiteia redução da pena, a seu aviso fixada com demasiado rigor (fls. 331/332).

As razões da Defesa, refutou-as, com bons fundamentos, a douta Promotoria de Justiça e propugnou o provimento parcial da apelação (fls. 335/336).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em abalizado e escorreito parecer do Dr. Mário Luiz Sarrubbo, opina pelo provimento parcial do recurso (fls. 380/384).

É o relatório.

2. Foi o réu chamado a prestar contas à Justiça Criminal porque, em 23.1.2004, pelas 9h30, na Rua Um (Jardim Paraíso, Terra Preta), em Mairiporã, obrando em concurso e unidade de propósitos com Carlos JM e José CM (vulgo “Zé Magrela”), subtraiu para si um animal bovino, pertencente a Benedita Antonia Romero.

Reza a denúncia que, nas mesmas condições de tempo e lugar, Carlos JM mantinha sob sua guarda e ocultava arma de fogo de uso proibido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Consta dos autos que o réu e seus comparsas entraram na propriedade da vítima e, após apartar uma das reses do rebanho, conduziram-na a outro local, onde a abateram, dividindo-lhe a carne entre si.

Avisada dos fatos, a Polícia empreendeu diligências; ao cabo, encontrou, na casa dos larápios, parte da “res furtiva”.

Instaurada a persecução criminal, foram os réus condenados pela r. sentença de fls. 318/323, com a qual não concordou o apelante, que clama por absolvição.

3. A despeito de seus protestos de inocência, o inconformismo do réu não procede, “data venia”.

Com efeito, ainda que digno de louvor o empenho de seu nobre patrono, está cumpridamente demonstrado que fora um dos autores do furto e subsequente abate do animal descrito na denúncia.

No claro intento de descaracterizar o ilícito penal que lhe foi imputado, o réu, ouvido no inquérito e em Juízo, ensaiou versão escusatória, com dizer que encontrara o animal vagando pela rua, sem dono, pelo que deliberou levá-lo consigo para o abate (fls. 8 e 110/111).

Tal alegação, porém, não tem visos de verdade, antes argui imaginação destemperada.

De fato, aquele que não justifica, além de dúvida, a posse de coisa alheia, entende-se que a adquiriu por meio criminoso.

Como alegou causa escusativa de criminalidade do fato, afirmando deparara com o animal abandonado, cumpria ao réu comprová-lo, “ad satiem”, conforme a regra de direito (art. 156 do Cód. Proc. Penal), sob pena de incorrer na censura de réu confesso.

Vem aqui de molde o magistério da Jurisprudência:

“Em tema de delito patrimonial, a apreensão da coisa subtraída em poder do réu gera a presunção de sua autoria e, invertendo-se o ônus da prova, impõe-lhe justificativa inequívoca” (RJTACrimSP, vol. 43,
p. 253; rel. Rulli Júnior).

Tendo admitido a autoria do furto, a mais prova oral já se mostrava escusada.

Com efeito, passa por verdade irrefutável a confissão da autoria do fato em Juízo, pela certeza de que livre de todo o constrangimento.

Esta é a lição de Hélio Tornaghi, em seu esplêndido livro:

“É sumamente tranquilizador para a consciência do Juiz ouvir dos lábios do réu uma narrativa convincente do fato criminoso com a declaração de havê-lo praticado” (Curso de Processo Penal, 1980, vol. I, p. 381).

Do valor da confissão estão repletos os livros de graves autores. Serve ao intento este passo de José Frederico Marques:

“Para os chamados penalistas práticos, a confissão do acusado se equiparava à própria coisa julgada, como ensinava Farinácio: Confessio habet vim rei judicatae(Estudos de Direito Processual Penal, 1a. ed., p. 290).

4. A alegação do réu, a modo de defesa, de que surripiara o animal porque se achava sob o efeito do álcool, não lhe aproveita.

Com efeito, consoante a sistemática do Código Penal, a embriaguez, por álcool ou substância análoga, só é causa excludente de culpabilidade quando completa, involuntária ou proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, do Cód. Penal).

A lição de Damásio E. de Jesus faz muito ao caso:

“Se o sujeito comete uma infração penal sob efeito de embriaguez, voluntária ou culposa, não há exclusão da imputabilidade e, por consequência, não fica excluída a culpabilidade. Ele responde pelo crime” (Código Penal Anotado, 8a. ed., p. 116).

Em face do que levo expendido, nenhuma outra solução era compatível com o acervo probatório, exceto a condenação do réu.

Primário e autor de furto qualificado pelo concurso de agentes, a pena que a r. sentença impôs ao réu (2 anos de reclusão) não sofre alteração. Também no substituí-la por pena alternativa obrou a nobre Magistrada com acerto e bom critério.

Todavia, como observou com grande penetração o insigne Procurador de Justiça, o cumprimento da jornada de 8 horas semanais, em contradição com o que preceitua o art. 46, § 3º, do Código Penal, poderá prejudicar o desempenho da atividade profissional do réu.

Assim, em obséquio ao espírito da lei — que previne todo prejuízo à jornada normal de trabalho do condenado (art. 46, § 3º, do Cód. Penal) —, hei por bem alterar a pena substitutiva do réu (prestação de serviços à comunidade) para duas restritivas: interdição temporária de direitos (proibição de frequentar determinados lugares) e 10 dias-multa, no valor mínimo legal (arts. 44, § 2º, 43, nº V, e 47, nº IV, do Cód. Penal).

Seria desarrazoado, com efeito, obrigá-lo a prestar serviços gratuitamente à comunidade em detrimento da subsistência própria e da família (fls. 110 e 117).

Afora esse pouco, mantenho no mais, por seus bons e jurídicos fundamentos, a r. sentença que proferiu a distinta e culta Juíza Dra. Carla Zoéga Andreatta Coelho.

5. Pelo exposto, dou provimento parcial ao recurso para alterar a pena substitutiva do réu — prestação de serviços à comunidade para duas restritivas de direitos: interdição temporária de direitos (proibição de frequentar lugares) e 10 dias-multa, no valor mínimo legal (arts. 44, § 2º, 43, nº V, e 47, nº IV, do Cód. Penal), mantida, no mais, a r. sentença de Primeiro Grau.

São Paulo, 29 de agosto de 2008

Des. Carlos Biasotti

Relator

IV. Pena. Coletânea Jurídica

a) Introdução

Nos arrazoados forenses, decisões, sentenças e artigos jurídicos, aproveita muito ao prestígio da forma literária, no caso de vir a ponto, a citação de brocardos do Direito e máximas da experiência.

Em verdade, o advogado(2), quando deduz em juízo uma pretensão, e o juiz(3), ao fundamentar suas sentenças e despachos, não lhes é defeso cultivar em grau assinalado a arte de bem escrever.

Ora, da petição inicial e dos arrazoados forenses sempre foi apanágio a clareza e a precisão, que por força pressupõem a ciência e o domínio dos cabedais da língua; numa palavra: a boa exação gramatical(4). Outro tanto, em referência às decisões do Poder Judiciário, que serão fundamentadas, “sob pena de nulidade” (art. 93, nº IX, da Const. Fed.). Neste particular, a expressão verbal apropriada, exata e escorreita é a que satisfará ao preceito da lei(5).

Por fim, escusa lembrar que, nisto de citações, como em tudo o mais, há mister proceder sempre com peso e medida.

b) Pena: Pecúlio de Máximas, Aforismos e Doutrina Jurídica

1. “Não há pena sem prévia cominação legal” (art. 1º do Cód. Penal).

2. “Poena debet culpae respondere, commensurari delicto”. Deve a pena corresponder à culpa, medindo-se pelo delito.

3. “Poena praesuponit culpam”. A pena pressupõe a culpa.

4. “Poena non irrogatur, nisi expresse jure caveatur”. Não se impõe pena sem lei expressa que a decrete.

5. “Poenis benignior fit interpretatio”. Nisto de penas, prevalece a interpretação mais benigna.

6. “Nemo inauditus damnari potest”. Ninguém pode ser condenado sem ser ouvido.

7. “Cavendum est ne major poena quam culpa sit” (Cicero, De Off., I, 24). Cumpre atender a que não seja a pena maior que a culpa.

8. “Confessio spontanea minuit delictum et poenam”. Confissão espontânea diminui o delito e a pena (cf. art. 65, nº III, letra d, do Cód. Penal).

9. “Culpa, ubi non est, nec poena esse debet”. Onde não há culpa não deve haver pena.

10. “Dolus, ubi non adest, non est delictum poena dignun”. Onde não há dolo, não há delito merecedor de pena.

11. Em princípio, todo castigo é contraproducente (Erasmo de Roterdã, “De Pueris”Dos Meninos —, p. 70; trad. Luiz Feracine).

12. Bater só em caso extremo, mas moderadamente (Idem, ibidem, p. 80).

13. Não há animal tão manso que não fique furioso ante tratos imoderados (Idem, ibidem, p. 72).

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14. “Qui parcit virgae odit filium suum; qui autem diligit illum instanter erudit” (Prov. XIII, 24). Aquele que poupa a vara aborrece seu filho; mas o que o ama, continuamente o corrige (Bíblia Sagrada, 1881, t. I, p. 677; trad. Antônio Pereira de Figueiredo).

15. “Quos amo, arguo et castigo. A quem amo, advirto e castigo” (apud Rui Barbosa, A Imprensa e o Dever da Verdade, 1920, p. 67).

16. “Pena de talião — É uma lei que remonta à Antiguidade mais remota, pois figura nos livros sagrados. A Bíblia esclarece, no Êxodo, que ela consiste em infligir, ao autor de uma transgressão, punição
em tudo igual ao crime”
(R. Magalhães Júnior, Dicionário de Provérbios e Curiosidades, 1960, p. 213).

17. “Suprima-se a pena (quod Deus avertat) e o crime seria, talvez, a lei da maioria” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1978, vol. I, t. II, p. 196).

18. Não deve contudo a pena ter caráter só retributivo ou de expiação pelo mal praticado; há de ser também medida salutar de defesa social e meio de reeducação do infrator. Na frase original de Platão, deve ser a medicina da alma (cf. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, vol. 419, p. 96).

19. A pena deve operar no infrator a finalidade que lhe reconhecia já o divino Platão: medicina da depravação moral (cf. Górgias, cap. XXIV).

20. “A pena-retributiva jamais corrigiu alguém” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980, vol. I, t. I, p. 14).

21. A prisão é crime pior que o cometido pelo sentenciado, seja qual for (Bernard Shaw; apud Ataliba Nogueira, Pena sem Prisão, 1956, p. 9). O cárcere: “la scuola normale del delitto” (Colajanni; apud Valdemar César da Silveira, Sentenças Criminais, 1941, p. 79).

22. Além de corretivo do infrator, a pena é cominada e aplicada para aterrar e afastar do crime os espíritos tendentes ao mal (Filangieri; apud Fernando Nery, Lições de Direito Criminal, 3a. ed., p. 350).

23. Palavras do magistrado francês Osvaldo Bardot: Consultai o bom-senso, a equidade, o amor do próximo, antes da autoridade e da tradição. A lei se interpreta. Ela dirá o que quiserdes que ela diga. Sem mudar um til, pode-se, com os mais sólidos considerandos do mundo, dar a razão a uma parte ou a outra, absolver ou condenar à pena máxima. Desse modo, que a lei não vos sirva de álibi (apud Jucid Peixoto do Amaral, Manual do Magistrado, 4a. ed., p. 42).

24. A nímia liberalidade na aplicação do texto legal pode desfechar em impunidade, mas a moderação em impor penas ao réu passa por pedra de toque do verdadeiro julgador.

25. A jurisprudência dos Tribunais preconiza que, em se tratando de réu primário, “a regra é partir da pena-base no grau mínimo” (cf. Celso Delmanto, Código Penal Comentado, 5a. ed., p. 107).

26. Consequência forçosa do delito, a pena é “o meio de garantia social de reduzir o criminoso à impossibilidade de prejudicar, ou de torná-lo inofensivo, tendo como fim principal a segurança pública” (João Vieira; apud Fernando Nery, Lições de Direito Criminal, 1933, p. 356).

27. Justiça excessiva não é senão injustiça, proclamou com assaz de razão o eloquente Cícero: “Summum jus, summa injuria” (“De Officiis, I, 10).

28. É incensurável — porque não apenas legítima e justa, mas também sábia — a decisão que substitui por prestação pecuniária (consistente em doação de cesta básica) a prestação de serviços à comunidade imposta a autor de estelionato que, trabalhador rural, não a podia cumprir sem notável prejuízo de suas atividades. Não esqueça aos aplicadores do Direito a advertência de Anatole France: Se a lei é morta, deve-lhe o Juiz dar vida.

29. “A pena é força de reserva na defesa da ordem jurídica” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VII, p. 182).

30. A exasperação da pena do réu, em caso de crime cometido contra velho, bem se justifica. A velhice é coisa sagrada; ofender um velho, na elegante expressão de um escritor, “é apedrejar uma árvore carregada de frutos” (Alberto Pimentel, Vinte Anos de Vida Literária, 1908, p. 39).

31. Advertidamente escreveu o Marquês de Beccaria: Para ser justa, não deve a pena ter senão o grau de rigor que baste a afastar os homens da senda do crime (Dos Delitos e das Penas, § XVI).

32. Expressão de equidade e bom aviso, não há que reparar na sentença que, ao fixar a pena do réu, compensa-lhe os maus antecedentes com a confissão espontânea. “Aquele que se acusa a si mesmo escusa acusador, e faz leve o seu delito”, escreveu o clássico Manuel Bernardes (Nova Floresta, 1711, t. III, p. 259).

33. A pena, para ser justa, há mister do rigor somente que baste a desviar os homens do caminho do crime: “Perchè una pena sia giusta, non deve avere che quei soli gradi d’intensione che bastano a rimuovere gli uomini dai delitti” (Cesare Beccaria, Dei Delitti e delle Pene, cap. XVI).

34. Comprovada a morte do agente, é força julgar-lhe extinta a punibilidade (art. 107, nº I, do Cód. Penal e art. 61 do Cód. Proc. Penal). A morte é o termo natural de todas as coisas. “Mors omnia solvit”, reza velho aforismo jurídico.

35. “Sendo pessoal a responsabilidade penal, a morte do agente faz com que o Estado perca o jus puniendi, não se transmitindo a seus herdeiros qualquer obrigação de natureza penal: mors omnia solvit (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 17a. ed., p. 336).

36. Frutos de seu trabalho e, pois, estipêndio do suor, os dias remidos do preso têm alguma coisa de sagrado, que os guarda do rigor do Juízo da execução penal. “É inadmissível a perda dos dias remidos por decisão judicial, em virtude de falta grave cometida pelo sentenciado” (RJTACrimSP, vol. 39, p. 416).

37. No geral consenso dos doutos, a pena deve medir-se pelo delito.

38. “Fazer justiça não é, em muitos casos, obedecer à lei e, sim, obedecer ao direito que é a fonte da lei” (Eliézer Rosa, A Voz da Toga, 1a. ed., p. 41).

39. “Não trepidei em mudar de voto, pública e declaradamente, toda vez que novos argumentos ou provas concludentes me convenceram do desacerto do veredictum anterior; acima do melindre pessoal de cada um está a sacrossanta causa da Justiça” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16a. ed., p. 377).

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

40. É apotegma de Direito Penal que o castigo deve responder à culpa, em igual medida. Suposto mereça todo o infrator a proteção da lei, não é de bom exemplo dispensar mercês, em detrimento da ordem social, àqueles que fazem do crime profissão.

41. Uma vez conspirem todos os requisitos legais para sua concessão, denegar ao sentenciado o benefício da comutação de penas fora o mesmo que frustrar, em seu espírito e forma, o Decreto do Presidente da República e, sobre isso, mentir ao ideal de justiça.

42. Ao condenado que satisfaz o requisito objetivo (lapso temporal) é bem se conceda comutação de pena. Pequenas deficiências de cunho íntimo ou subjetivo, que acaso apresente, deve supri-las o Juiz com o espírito mesmo que preside à outorga do benefício do indulto: o nobre e generoso sentimento de compreensão humana, com que, pelo Natal, o chefe de Estado sói amercear-se de todo o encarcerado, “o mais pobre de todos os pobres”, na pungente expressão de Carnelutti (As Misérias do Processo Penal, 1995, p. 21; trad. José Antonio Cardinalli).

43. O farol que deve orientar o Juiz na decisão da causa são as provas dos autos. Se elas não indicam com segurança a culpa do réu, será força pronunciar o “non liquet” e absolvê-lo. “Nenhuma presunção, por mais veemente que seja, dará motivo para imposição de pena” (art. 36 do Código Criminal do Império).

44. A pena, segundo Garófalo, é o remédio para a falta de adaptação do réu” (apud Fernando Nery, Lições de Direito Criminal, 1933, p. 355). A punição do infrator, portanto, não é outra coisa que a legítima reação da ordem social contra o crime.

45. O decurso do tempo apaga a memória do fato punível e a necessidade do exemplo desaparece (Abel do Vale; apud Ribeiro Pontes, Código Penal Brasileiro, 8a. ed., p. 154).

46. Configura “bis in idem”, que importa evitar, a exasperação da pena do réu pelos maus antecedentes e de igual passo pela reincidência; é que todo reincidente por força tem maus antecedentes.

47. “A justiça deve ser equânime; concilie, sempre que for possível, a retidão com a bondade em toda a acepção da palavra” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16a. ed., p. 170).

48. “As atenuantes não permitem a redução da pena abaixo do mínimo previsto na lei para o crime” (Rev. Tribs., vol. 644, p. 379).

49. “Quanto mais o sujeito se aproxima da consumação, menor deve ser a diminuição da pena (um terço); quanto menos se aproxima da consumação, maior deve ser a atenuação (dois terços)” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 1994, p. 42).

50. “A pena é um mal, não somente para o réu e sua família, senão também, sob o ponto de vista econômico, para o próprio Estado” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VII, p. 173).

51. Não é incompatível a justiça com a indulgência, máxime quando esta põe a mira na redenção do homem, alma e escopo de toda pena.

52. De tanto vulto é a circunstância atenuante da menoridade do agente (art. 65, nº I, do Cód. Penal), que se sobrepõe até mesmo à reincidência.

53. Se, perante o Magistrado, o réu assumiu francamente sua culpa, é bem que dele se amerceie a Justiça. Essa, a que se pudera chamar coragem moral, é digna sempre de galardão, não só de louvores.

54. Segundo princípio de razão lógica e de justiça, a confissão do réu, ainda que dela se haja retratado, é circunstância que lhe assegura, nos termos do art. 65, nº III, alínea d, do Cód. Penal, o direito ao benefício da redução da pena, sobretudo se a tomou em conta o Magistrado para fundamentar o decreto condenatório.

55. O critério para a redução da pena, em obséquio à tentativa, é o “iter criminis” percorrido: “quanto mais o sujeito se aproxima da consumação, menor deve ser a diminuição da pena (1/3)” (cf. Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 5a. ed., p. 42).

56. Tratando-se de réu primário, condenado a pena de curta duração, não só é legal, mas justa e sábia a decisão que lhe concede “sursis” e regime prisional aberto (art. 33, § 2º, alínea c, do Cód. Penal).

57. É razoável a diminuição da pena em 1/3 (e não 2/3), pela tentativa, se o autor do roubo se adiantou tanto no “iter criminis”, que pouco faltou para consumá-lo.

58. “Nessa quadra da vida (até aos 21 anos) o crime costuma ser episódio isolado, para o qual não há necessidade, nem conveniência, de excessivo rigor” (Basileu Garcia, Instituições de Direito Penal, 1975, vol. I, t. II, p. 482).

58. A substituição da pena privativa de liberdade por medida alternativa é providência de efeito salutar, uma vez que, sobre cooperar na reeducação do infrator, importa benefícios para a comunidade. Não hesite o Juiz em adotá-la generosamente (art. 44 do Cód. Penal).

59. Prêmio de sinceridade, tem direito a especial redução da pena o réu que, espontaneamente, confessa perante a autoridade pública o crime que cometeu (art. 65, nº III, alínea d, do Cód. Penal).

60. À luz da lógica jurídica e por princípio de justiça, a escorreita exegese do art. 126 da Lei de Execução Penal deve compreender também, no conceito de trabalho, a atividade escolar do preso, por sua transcendental importância como fator de promoção humana e poderoso instrumento de reforma de vida e costumes. Destarte, comprovando que frequentou aulas em curso patrocinado pelo sistema penitenciário, tem jus o condenado à remição de penas, na proporção de um dia para cada 12 horas de efetiva atividade escolar.

61. Se “o estudo é a luz da vida” — conforme entendem e proclamam os pedagogos —, como pretender, sem injúria da razão, que o trabalho intelectual represente um “minus” em respeito do trabalho físico?! Falou avisadamente quem disse: “Abrir escolas é fechar cadeias”; daqui se mostra bem a suma importância que o convívio escolar tem na formação do caráter do indivíduo.

62. Comprovada a precária situação financeira do réu, será bem lhe faculte a Justiça o pagamento parcelado da pena de prestação pecuniária, na conformidade de precedente judiciário (cf. STJ; HC nº 17.583-MS; rel. Min. José Arnaldo da Fonseca; DJU 4.2.2001, p. 439).

63. O argumento da pena longa não é poderoso a obstar a concessão de livramento condicional ao sentenciado, se já cumpriu dela a metade (necessariamente longa). Tampouco lhe serve de empecilho à obtenção do benefício o registro de falta grave (fuga) se, ao depois, revelou, por largo espaço de tempo, exemplar conduta carcerária e notável dedicação ao trabalho, sinais inequívocos de emenda e ressocialização.

64. A fuga — “incoercível revolta do instinto”, na lapidar expressão de Rui (Discursos e Conferências, 1907, p. 101) — não é, por si só, razão impeditiva de concessão de livramento condicional ao sentenciado, visto configura anseio de liberdade inerente ao homem.

65. “Ao mesmo Demônio se deve fazer justiça, quando ele a tiver” (Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. III, p. 329).

66. Vinte séculos nada puderam contra o esplendor da verdade destas palavras de Cícero: “Summum jus, summa injuria” (De Officiis, I, 10), que, em nosso vulgar, respondem assim: Justiça excessiva o mesmo é que injustiça.

67. Ainda que se possa computar, na pena privativa de liberdade, “o tempo de prisão provisória” (art. 42 do Cód. Penal), não é admissível dele deduzir o lapso temporal referente a outro processo a que o réu tenha respondido.

68. Nos casos de insignificante lesão ao bem jurídico protegido e mínimo o grau de censurabilidade da conduta do agente, pode o Magistrado, com prudente arbítrio, deixar de aplicar-lhe pena. É que, nas ações humanas, o Direito Penal somente deve intervir como providência “ultima ratio”.

69. Passa por iniquidade manter preso, enquanto lhe tramita o processo, réu que poderá, no caso de condenação, ter cumprido já a máxima parte de sua pena. Ao demais, ninguém ignora que o cárcere é o pior lugar do mundo antes do cemitério, tendo-lhe Dostoiévski chamado, com propriedade, “casa dos mortos”.

70. “A pena, em nosso sistema, não representa vindita ou castigo, mas instrumento de defesa da sociedade (…)” (Rev. Forense, vol. 130, p. 532; rel. Min. Sampaio Costa).

71. Aos Magistrados não esqueçam nunca as sublimes palavras de Rui Barbosa: “Não estejais com os que agravam o rigor das leis, para se acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não há nada menos nobre e aplausível que agenciar uma reputação malignamente obtida em prejuízo da verdadeira inteligência dos textos legais” (Oração aos Moços, 1a. ed., p. 43).

72. “Amparando os mais fracos, não fazemos favor, senão justiça” (Teodomiro Dias; apud Odilon da Costa Manso, Letras Jurídicas, 1971, p. 111).

73. “Deve o juiz usar a lógica do jurista, que é, precisamente, a lógica do razoável e do humano” (Goffredo Telles Jr., A Folha Dobrada, 1999, p. 162).

74. Toda a condenação penal, ainda se trate de acusado de abominável vida pretérita, somente pode ser decretada em face de prova plena e cabal de sua culpabilidade.

75. Segundo a comum opinião dos doutores, o benefício da redução da pena (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06) defere-se apenas ao traficante esporádico ou eventual, jamais ao que se associa para a prática do tráfico ilícito de drogas, porque é em especial contra este que se levanta o braço implacável da Lei.

76. O Ministério Público, segundo princípio consagrado, é o guardião da lei e o fiscal de sua execução (art. 257 do Cód. Proc. Penal). Sua intervenção nos incidentes de execução de sentença traduz, pois, dever institucional. Há casos, no entanto, em que ao Magistrado, sem fazer tábua rasa das atribuições do Ministério Público, é lícito proceder de modo que atenda, com superior exação, ao preceito da rapidez e eficiência na prestação jurisdicional. A restrição da liberdade do indivíduo, ainda quando necessária, é sempre causa de sofrimento e angústia e, portanto, um mal considerável. Difícil coisa é unir a dor à paciência: ao que padece repugna esperar. Donde o haver proclamado um alto espírito: “Não há maior tormento no mundo que o esperar” (Pe. Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. V, p. 210). Por amor da cessação do constrangimento, pode o Juiz (se é que o não deva) abreviar, com prudente arbítrio, nos ritos procedimentais, fórmulas que se lhe afigurem escusadas. Não lhe esqueça a grave exortação de Rui: “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” (Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42).

77. Se primário o réu e cometida a infração penal sem violência nem ameaça à pessoa, é obra de louvável política criminal substituir-lhe pela pena restritiva de direito a privativa de liberdade não superior a 4 anos (art. 44 do Cód. Penal).

78. A “mens legis” da subsituição da pena corporal por restritiva de direitos é impedir que réus condenados a pena de curta duração, por delitos praticados sem violência nem ameaça à pessoa, sejam submetidos ao rigor do cárcere, que não reeduca nem recupera, senão que perverte e despersonaliza o infrator (art. 44 do Cód. Penal). “A promiscuidade engendra maus caracteres. É grande o influxo de nocividade que sofrem os condenados primários nas prisões. Por isso, é precisa a frase de Mirabeau: O amontoamento de homens, como o de maçãs, gera a podridão” (Hoeppner Dutra, O Furto e o Roubo, 1955, p. 163).

79. A doutrina comum e a jurisprudência dos Tribunais têm professado o entendimento de que, se a não cumprir o réu, a pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade pelo tempo da pena original (cf. Damásio E. de Jesus, Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, 4a. ed., p. 85; Julio Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais Criminais, 2a. ed., p. 133; Rev. Tribs., vol. 755, p. 674, etc.). A conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade é providência legítima, demais de pedagógica e salutar, pois traduz sanção do direito pela inadimplência de obrigação contraída perante a Justiça (art. 181, § 1º, alínea c, da Lei de Execução Penal).

80. O sistema vicariante, ou das penas substitutivas, adotado pelo Código Penal, pressupõe, além dos requisitos objetivos, méritos pessoais do sentenciado (art. 44, nº III).

81. Desde que preenchidos os requisitos legais, pode o Magistrado conceder ao réu “sursis”, em vez de substituir-lhe a pena restritiva de direitos por prestação pecuniária, de caráter não raro mais gravoso (art. 77 do Cód. Penal).

82. Incensurável se mostra a sentença que, havendo consideração aos graves malefícios da prisão e às circunstâncias pessoais do réu — alcoólatra condenado por furto simples —, defere-lhe “sursis”, embora reincidente. Trata-se de solução heroica, verdadeira “ultima ratio”, por evitar a ruína física e moral de infrator ainda jovem. Ao aplicá-la, deve o Juiz atender ao fim social da lei, e isto com a lógica do razoável.

83. Tratando-se de condenada com filho de tenra idade, faculta a lei e recomenda o princípio da dignidade humana cumpra sua pena, ainda que reincidente, sob o regime de prisão-albergue domiciliar (art. 117, nº III, da Lei de Execução Penal). Até entre as espécies inferiores passa por nociva (e ainda perversa) a segregação precoce da cria. Tal benefício, entendem graves autores, é concedido mais em favor da criança, pela necessidade que tem do amparo materno.

84. É superior a toda a crítica a sentença que, atendendo à natureza da infração penal (furto qualificado) e aos notórios malefícios do regime recluso, faculta ao réu, embora reincidente, cumpra sua pena de curta duração no regime aberto. Cabe ressaltar que o próprio Nélson Hungria, “Pontifex Maximus” do Direito Penal pátrio, não teve mão em si que não verberasse a pena-castigo: “A pena-retributiva jamais corrigiu alguém” (Comentários ao Código Penal, 1980, vol. I, t. I, p. 14).

85. Se primário o réu e de pequeno valor a coisa receptada — a que se equipara a ausência de prejuízo —, é de razão lhe conceda o Juiz o privilégio do art. 180, § 5º, “in fine”, do Código Penal, com aplicação de multa somente, por atenuar e prevenir empecilhos à vida futura, que toda a pena corporal sói deslustrar.

86. O sujeito que, por motivo fútil e sob o efeito do álcool, ofende a integridade física da mulher com socos e pontapés, não oferece apenas eloquente exemplo da miserável condição a que a bebida pode reduzir o homem, confinando-o com a animalidade bruta, senão ainda é réu de crime, pois incorre na sanção do Direito Penal. Ao agressor da companheira, que se arrepende do ato ignóbil que praticou e torna à vida em comum, não é despropositado conceda a Justiça o benefício do “sursis”, se não por merecê-lo, ao menos como oportunidade de expiar sua falta grave e reeducar-se para o convívio social, debaixo do imprescindível respeito, notadamente para com as pessoas de sua obrigação.

87. Incorre nas penas da lei (art. 302 do Cód. Trânsito) o motorista que, imprudente, por dirigir embriagado seu veículo, e em velocidade excessiva, perde-lhe o controle e arremete-o contra obstáculo, causando a morte de passageiro. (De tão grave, sua culpa como que argui dolo eventual).

88. Há casos em que o Magistrado que dá de mão aos ápices da Lei e rejeita queixa-crime argui não somente abalizada ciência do Direito, senão alto grau de sabedoria. É que o Estado, como escreveu o primeiro de nossos penalistas, “só deve recorrer à pena quando a conservação da ordem jurídica não se possa obter com outros meios de reação” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1978, vol. I, t. I, p. 19). Ainda que simples infortúnio, o recebimento da queixa-crime que não atende aos cânones processuais representa mal insigne para o indivíduo porque, atingindo-lhe o “status dignitatis”, é sempre fonte e ocasião de prejuízos imensos, muita vez irrecuperáveis.

89. Incorre nas penas do art. 306 do Código de Trânsito o sujeito que conduz veículo automotor de forma anormal, sob a influência do álcool, nada importando a taxa de alcoolemia (cf. Damásio
E. de Jesus, Crimes de Trânsito, 1998, p. 152). É jurisprudência consagrada nos Tribunais que, em se tratando de motorista profissional, repugna, por amor da necessidade que tem de prover à subsistência, impor-lhe a pena restritiva de direitos consistente na suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor (art. 293 do Cód. Trânsito).

90. Não desacredita a Justiça nem recomenda mal o Juiz substituir a pena privativa de liberdade de autor de furto mínimo, ainda que reincidente, por restritiva de direitos, socialmente recomendável (art. 44, § 3º, do Cód. Penal).

91. Em obséquio ao espírito da lei — que previne todo prejuízo à jornada normal de trabalho do condenado (art. 46, § 3º, do Cód. Penal) —, é de bom exemplo, nos casos urgentes, alterar medida substitutiva penal aplicada ao réu (prestação de serviços à comunidade) para duas restritivas de direitos: interdição temporária de direitos (proibição de frequentar determinados lugares) e multa (arts. 44, § 2º, 43, nº V, e 47, nº IV, do Cód. Penal). Seria desarrazoado, com efeito, obrigá-lo a prestar serviços gratuitos à comunidade em detrimento da subsistência própria e da família.

92. Aplicado inconsideradamente, o princípio da insignificância representa violação grave da lei, que manda punir o infrator; destarte, subtrair a seu rigor o culpado, sem relevante razão de direito, fora escarnecer da Justiça, que dispensa a cada um o que merece. Em verdade, conforme aquilo de Alberto Oliva, “todo homem deve saber do fundo de seu coração o que é certo e o que é errado” (apud Ricardo Dip e Volney Corrêa de Moraes, Crime e Castigo, 2002, p. 3).

93. Incorre nas penas da lei (art. 342, § 1º, do Cód. Penal) a testemunha que, ao depor em processo-crime, falta com a verdade acerca de fato juridicamente relevante, com o intuito de favorecer o réu. A mentira não pode ter entrada no templo da Justiça! Se exerce ocupação lícita e tem filhos menores, a mulher condenada por falso testemunho, ainda que reincidente, faz jus à substituição de sua pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, medida socialmente recomendável (art. 44, §§ 2º e 3º, do Cód. Penal).

94. De presente, já não é lícito ao Juiz dar ao art. 127 da Lei de Execução Penal outra interpretação que a literal restrita, por força da Súmula Vinculante nº 9, editada pelo Supremo Tribunal Federal, que mandou inscrever entre os dogmas jurídicos a perda, para o condenado “que for punido por falta grave”, do direito ao tempo remido pelo trabalho.

95. Embora inaptos para configurar a agravante da reincidência (art. 64, nº I, do Cód. Penal), condenações pretéritas do sujeito sempre lhe caracterizam maus antecedentes, que o cálculo da pena-base não pode relegar à sombra. Com efeito, não há ficar indiferente o julgador ao passado de crimes do indivíduo, quando lhe examina o perfil moral. Enfim, somos o que fomos!

96. Mais que meras conjecturas acerca da culpabilidade do acusado, são necessárias, para sua condenação, provas tão claras como a luz meridiana: “probationes luce meridiana clariores” (cf. Giovanni Brichetti, L’Evidenza nel Diritto Processuale Penale, 1950, p. 111).

97. Não cabe censura à decisão do Magistrado que, forte no poder discricionário que lhe confere a lei, aplica a usuário de drogas a pena de prestação de serviços à comunidade, em vez de advertência (art. 28, ns. I e II, da Lei nº 11.343/06). Tal medida não tem somente caráter retributivo, próprio de toda a pena, mas atende ao fim precípuo de recuperar o viciado, com espertar-lhe na consciência o sentido pleno da vida e fortalecer-lhe a vontade para que evite os malefícios das drogas. Ao mesmo tempo que o afasta da ociosidade, mãe de todos os vícios, a prestação de serviços à comunidade enseja ao usuário ou dependente de drogas as condições de que necessita para reintegrar-se no convívio social, pois o trabalho é o melhor fator de promoção humana.

98. Incorre nas penas de tentativa de latrocínio o agente que, ao praticar roubo, efetua disparos de arma de fogo contra a vítima, com evidente “animus necandi” (arts. 157, § 3º, 2a. parte, e 14, nº II, do Cód. Penal).

99. Em ponto de crime continuado, não deve o Juiz reduzir demasiado seu alcance, tornando-lhe impossível o reconhecimento; antes lhe importa, de par com a preocupação de ordem jurídica e social, atender ao fim do instituto, convém a saber, evitar o exagero punitivo sob o influxo da equidade, pois meta do Direito Penal é também a recuperação do infrator. “O réu tem direito ao crime continuado, agindo ou não com unidade de desígnio, pois essa foi a vontade do legislador” (Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado, 2000, p. 216).

100. De toda a sanção é pressuposto a culpa. “Condenar um possível delinquente é condenar um possível inocente” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 65).

Notas:


  1. () “Quis ignorat maximam illecebram esse peccandi impunitatis spem?” (“Pro Milone”, 16, 43).

  2. () Não estranhe a alguém que o advogado, a par da ciência do Direito, dê a conhecer também invulgares prendas literárias, que isto mesmo recomendavam os primorosos versos de Antônio Ferreira, poeta e jurisconsulto português (1528-1569):

    Não fazem dano as musas aos doutores,

    antes ajuda a suas letras dão,

    e com elas merecem mais favores” (Poemas Lusitanos, 1973, p. 103).

  3. () A lição não é menos que de Mário Guimarães, honra e glória da Magistratura brasileira: “Pode o juiz, se a tanto lhe ajudar o engenho e arte, dar contorno elegante a cada frase. A elegância não se opõe à simplicidade. Coexistem uma e outra, e até bem vai que se associem” (O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958, p. 360).

  4. () “Os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido”, rezava o art. 158,
    nº III, do Código de Processo Civil
    (de 1939), serão “expostos com precisão e clareza”.

  5. () “Não há bom Direito em linguagem ruim”, afirmou com assaz de razão Hildebrando Campestrini (Como Redigir Ementas, 1994, p. 40).

Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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