Os limites da aplicação do princípio da identidade física do juiz na Justiça Militar da União

Exibindo página 1 de 2
06/10/2022 às 14:47
Leia nesta página:

RESUMO: O princípio da identidade física do juiz preconiza que o magistrado que conduzir a instrução ficará obrigado ao proferimento da sentença. Foi inserida previsão expressa, em 2008, no processo penal comum, mas não no processo penal militar. O juiz forma a sua convicção mediante o livre convencimento motivado, a partir da análise racional da prova. Assim, o contato direto do magistrado com os elementos probatórios pode elevar a qualidade da prestação jurisdicional, tornando desejável a oralização do procedimento e a implementação do princípio da identidade física do juiz. Todavia, este princípio tem status infraconstitucional e seus contornos são dados pela lei, não se confundindo com o princípio do juiz natural, de hierarquia constitucional. Entretanto, a dimensão substancial do devido processo legal preconiza a busca por um processo justo, que atenda à razoabilidade, devendo-se privilegiar interpretação que busque concretizar o princípio da identidade física do juiz, pelos seus positivos impactos na decisão judicial. No processo penal militar, deve-se possibilitar o emprego subsidiário do art. 399, §2º, do CPP (com as limitações já consagradas pela jurisprudência), ressalvando-se as previsões expressas em sentido contrário do CPPM e da Lei nº 8.457/1992, justificadas pela tutela da regularidade das instituições militares. Nos Conselhos de Justiça, veda-se a substituição de juízes militares fora das hipóteses expressas em lei. Quanto ao juiz togado, devem-se observar as diretrizes do processo penal comum. Logo, rejeitam-se afirmações generalizantes de que o princípio não se aplica ao processo penal militar.

PALAVRAS-CHAVES: Princípio da identidade física do juiz. Devido processo legal substancial. Processo penal militar. Art. 399, §2º, do CPP.

ENGLISH

TITLE: Limits of the application of the principle of the physical identity of the judge in the Union Military Justice.

ABSTRACT: The principle of the physical identity of the judge states that the judge who conducts the production of the proof in the process will be obliged to pronounce the sentence. It was expressly foreseen, in 2008, in the common criminal procedure legislation, but not in the military criminal procedure legislation. The judge forms his conviction through the rational analysis of the evidence. Thus, the magistrate's direct contact with the probative elements can increase the quality of the decision, what makes the oralization of the procedure and the implementation of the principle of the physical identity of the judge desirable. However, this principle has infraconstitutional status, and its contours are given by the law. Thus, it should not be confused with the principle of the natural judge, of constitutional hierarchy. However, the substantial dimension of the due process of law advocates the attempt for a fair trial, which meets reasonableness. Therefore, the interpretation which seeks to materialize the principle of the physical identity of the judge should be preferred, due to its positive impacts on the judicial decision. In the military criminal procedure, the subsidiary use of article 399, §2º, of the Criminal Procedure Code (with the limitations already stabilished by the jurisprudence) should be accepted, except in case of express rule in the opposite sense in the military criminal procedure legislation, justified by the protection of the regularity of military institutions. In the Councils of Justice, the substitution of the military judges beyond the hypotheses expressed by law should be prohibited. As for the civilian judge, the guidelines of the common criminal procedure must be observed. Therefore, generalizing claims that the principle does not apply to military criminal procedure should be rejected.

KEYWORDS: Principle of the physical identity of the judge. Substantive due process of law. Military criminal procedure. Art. 399, §2º, of the Criminal Procedure Code.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. O princípio do juiz natural 2.1. A questão da anterioridade da definição do órgão julgador 3. O princípio da identidade física do juiz 3.1. Sistema da livre convicção motivada, contato direto com a prova e princípio da identidade física do juiz 3.2. Aplicação do princípio da identidade física do juiz no processo civil 3.3. Aplicação do princípio da identidade física do juiz no processo penal comum 4. Status normativo do princípio da identidade física do juiz 5. Aplicação do princípio da identidade física do juiz no processo penal militar 5.1. Conselhos Permanentes de Justiça 5.2. Conselhos Especiais de Justiça 5.3. Juiz Federal da Justiça Militar e Juiz Federal Substituto da Justiça Militar - 6. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

O princípio da identidade física do juiz preconiza que o magistrado que conduzir a instrução ficará obrigado ao proferimento da sentença. Foi previsto expressamente nos Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973, embora não o tenha sido na codificação de 2015. No processo penal comum, a previsão expressa surgiu apenas em 2008.

A legislação processual penal militar, por sua vez, ainda não abriga dispositivo expresso acerca de sua aplicabilidade. A despeito da ausência de previsão expressa, é possível a sustentação teórica de sua aplicabilidade à Justiça Militar, mas guardando-se a devida deferência às particularidades da legislação castrense.


2. O PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 5º, que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (inciso LIII), determinando ainda que "não haverá juízo ou tribunal de exceção" (inciso XXXVII).

Desses dispositivos é possível extrair o princípio constitucional do juiz natural, segundo o qual o processo judicial deverá ser decidido por autoridade judiciária, imparcial, regularmente investida e com competência definida por critérios objetivos, fixados em regras abstratas, impessoais e estabelecidas, em regra, previamente em relação aos fatos sob julgamento.

Já em 1215, a Magna Charta Libertatum previa que "nenhum homem livre será preso ou detido em prisão ou privado de suas terras, ou posto fora da lei ou banido ou de qualquer maneira molestado; e não procederemos contra ele, nem o faremos vir a menos que por julgamento legítimo de seus pares e pela lei da terra" (artigo 39).

A doutrina classifica o princípio do juiz natural como desdobramento da cláusula do devido processo legal. Inclusive, para Freddie Didier[1], o princípio do juiz natural, assim como o devido processo legal, tem um aspecto objetivo (formal) e um aspecto substantivo (material).

O aspecto formal se refere à definição da competência por regras gerais e abstratas, previamente estabelecidas. Nessa toada, não é possível a qualquer das partes, ou mesmo a um terceiro, escolher de forma arbitrária o julgador. Veda-se, conforme expressa determinação constitucional, o tribunal de exceção, que consiste naquele designado ou criado, ainda que por lei, para julgar caso determinado.

Em seu viés substancial, a garantia resulta na exigência da imparcialidade e da independência do magistrado. Refere-se, portanto, à pessoa física do juiz, que deverá ser subjetivamente capaz de atuar no processo. Ademais, a jurisdição só poderá ser exercida por quem tenha sido regularmente investido nas funções de juiz.

Para assegurar a independência do órgão judiciário, a Constituição institui o princípio da separação de poderes (art. 2º), materializado na autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário (art. 99). Outrossim, confere aos magistrados as garantias da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade de vencimentos (art. 95, I a III). Apesar de a autonomia funcional e a independência funcional serem reconhecidas expressamente ao Ministério Público e a seus membros (art. 127, §§ 1º e 2º, da CF/88), sem serem citadas textualmente nos arts. 92 a 99 da Constituição (que tratam de regras gerais atinentes ao Poder Judiciário), é pacífico que tais prerrogativas também se estendem ao Poder Judiciário e aos magistrados.

A imparcialidade, por sua vez, é reforçada pelas vedações impostas aos magistrados, nos termos do parágrafo único do art. 95 da Constituição, as quais são complementadas pelas regras infraconstitucionais acerca do impedimento e da suspeição (ex: arts. 144 a 147 do Código de Processo Civil, arts. 252 a 256 do Código de Processo Penal comum e arts. 37 a 41 do Código de Processo Penal Militar).

Eugênio Pacelli, por sua vez, enfatiza que o princípio do juiz natural não se refere apenas ao "juízo", enquanto órgão julgador, mas alcança também a pessoa (natural) do juiz, de modo a impedir modificações arbitrárias às regras da jurisdição[2].

Sobre o tema, registra-se interessante decisão do Supremo Tribunal Federal, na qual se assentou que o julgamento de apelação por órgão composto majoritariamente por juízes convocados não viola o princípio do juiz natural[3]. Afinal, a composição do órgão julgador permaneceu determinada por critérios objetivos fixados em regras abstratas, impessoais e definidas previamente em relação aos fatos sob análise.

Para Uadi Lammêgo Bulos, o princípio é aplicável não só ao processo judicial (civil ou penal), abrangendo ainda o processo administrativo, porque objetiva armar o cidadão contra o arbítrio das autoridades investidas de poder decisório[4].

No que toca ao processo penal militar, Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco ressaltam que é perfeitamente possível a acumulação, pelo juiz de direito estadual, de funções de juiz de direito da Justiça Comum e de juiz de direito da Justiça Militar, sem que haja qualquer ofensa à delimitação constitucional de competência da Justiça Militar. Com efeito, existe clara diferenciação entre o órgão e o agente que o ocupa. Apesar de a Constituição Federal delimitar as competências da Justiça Comum e da Justiça Militar, não há proibição de que um mesmo agente exerça ambas as funções[5].

Por fim, na linha dos precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é possível sustentar a inconstitucionalidade de qualquer proposta de emenda constitucional tendente a instituir, no Brasil, a figura do "juiz sem rosto", pela qual não se pode identificar pessoa ou o órgão julgador, sob pena de subtrair toda a efetividade do primado do juiz natural[6].

2.1. A questão da anterioridade da definição do órgão julgador

Ao final da 2ª Guerra Mundial, o Acordo de Londres (1945) instituiu o Tribunal de Nuremberg, com competência para processar e julgar criminosos de guerra dos países europeus do Eixo. Apesar de representar uma etapa de grande relevância para a concretização dos direitos humanos, o tribunal internacional sofreu sérias críticas, dentre elas a de configurar um tribunal de exceção, dado que constituído após os fatos submetidos à sua apreciação.

A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), a seu turno, delimita o princípio do juiz natural nos seguintes termos (art. 8º, n. 1):

"Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Na mesma linha, Marinoni, Arenhart e Mitidiero afirmam que, uma vez determinado o juiz competente para apreciar certa controvérsia, não é possível que dele se retire essa atribuição[7].

Todavia, Renato Brasileiro faz a importante ressalva de que o ordenamento jurídico nacional permite a modificação da competência jurisdicional, em razão da matéria e mediante lei, ainda que após os fatos a serem analisados pelo juízo de supervenientemente competente. Isso porque o primado do juiz natural, no Brasil, não teria o mesmo alcance daquele previsto em constituições de países estrangeiros, considerando que o inciso LIII do art. 5º da Carta Magna somente assegurou o processo e julgamento frente a autoridade competente, sem exigir que tal juízo seja pré-constituído ao delito a ser julgado[8].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A observação feita pelo doutrinador é de grande pertinência para a Justiça Militar, sobretudo devido à promulgação da Lei n. 13.491/2017. Este diploma alterou o rol de crimes militares, expandindo a competência da Justiça Militar e ocasionando a remessa de diversos processos, da Justiça Comum para a Justiça Militar, referentes a delitos cometidos em data anterior àquele ato normativo, devido à transformação destes em "crimes militares". A alteração de competência absoluta no curso do processo foi devidamente validada pelo Superior Tribunal de Justiça[9].


3. O PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ

3.1. Sistema da livre convicção motivada, contato direto com a prova e princípio da identidade física do juiz

O juiz forma a sua convicção mediante o livre convencimento motivado, a partir da análise racional da prova. Trata-se do sistema da livre convicção motivada (ou da persuasão racional), colhido no art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988:

Art. 93 (...)

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

O Código de Processo Penal Militar, por sua vez, segue a mesma trilha:

Art. 297. O juiz formará convicção pela livre apreciação do conjunto das provas colhidas em juízo. Na consideração de cada prova, o juiz deverá confrontá-la com as demais, verificando se entre elas há compatibilidade e concordância.

Considerando que o juiz é o destinatário final da prova, pode-se afirmar que o contato direto do magistrado com os elementos probatórios, sem intermediários, tem potencial para elevar a qualidade da prestação jurisdicional.

Nessa senda, torna-se desejável que o procedimento seja oralizado, dando-se preferência à palavra falada e à produção de provas em uma audiência de instrução, haja vista que tais medidas favorecem o contato direto do juiz com a prova.

Conclui-se que o magistrado que teve contato imediato com o acervo probatório terá melhores condições de proferir a sentença.

Segundo Renato Brasileiro[10], o princípio da oralidade - que preconiza a preponderância da palavra falada sobre a escrita, sem que esta seja excluída - se desdobra em quatro subprincípios:

a) princípio da concentração: objetiva encurtar o arco procedimental, reduzindo-o, se possível, a úma única audiência, com o intuito de possibilitar que a data do julgamento seja próxima da data do fato.

b) princípio do imediatismo: deve-se priorizar a colheita direta, pelo juiz, de todas as provas, em contato imediato com as partes.

c) princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias: busca-se evitar sucessivas interrupções na marcha processual.

d) princípio da identidade física do juiz: o magistrado que presidir a instrução deverá proferir a sentença.

A demonstrar a relação entre o princípio da identidade física do juiz e o princípio do juiz natural, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca assevera com precisão que:

"É certo que o princípio do juiz natural não se confunde com o da identidade física do juiz, mas modificar a composição do órgão julgador sem nenhum amparo legal fere frontalmente tal princípio, bem como caracterizar juízo de exceção, de todo vedado em nosso ordenamento"[11].

3.2. Aplicação do princípio da identidade física do juiz no processo civil

O Código de Processo Civil de 1939 já previa o princípio da identidade física do juiz:

Art. 120. O juiz transferido, promovido ou aposentado concluirá o julgamento dos processos cuja instrução houver iniciado em audiência, salvo si o fundamento da aposentação houver sido a absoluta incapacidade física ou moral para o exercício do cargo.

O juiz substituto, que houver funcionado na instrução do processo em audiência, será o competente para julgá-lo, ainda quando o efetivo tenha reassumido o exercício.

Parágrafo único. Si, iniciada a instrução, o juiz falecer ou ficar, por moléstia, impossibilitado de julgar a causa, o substituto mandará repetir as provas produzidas oralmente, quando necessário.

O CPC de 1973 ampliou as exceções à vinculação do magistrado que presidiu a instrução:

Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor. (Redação dada pela Lei nº 8.637, de 31.3.1993)

Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas. (Incluído pela Lei nº 8.637, de 31.3.1993)

Entretanto, o Código de Processo Civil de 2015 não repetiu o dispositivo, de sorte que o juiz que colher as provas na audiência de instrução não mais ficará vinculado a proferir a sentença[12].

Entretanto, Nelson Nery pontua que a supressão não significa o abandono dos princípios da oralidade e da identidade física do juiz, pois continuam a ser necessárias as audiências, as colheitas de prova oral em audiência e a obrigatoriedade, como regra, de a sentença ser proferida em audiência. Assim, teria ocorrido apenas uma mitigação de tais princípios[13].

3.3. Aplicação do princípio da identidade física do juiz no processo penal comum

Apesar das vantagens da aplicação do princípio, as normas processuais penais não o previam expressamente.

O panorama foi alterado pela Lei n. 11.719/2008, que inseriu no Código de Processo Penal o §2º do art. 399, com a seguinte redação: O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.

Em conformidade com o princípio tempus regis actum (art. 2º do CPP), a alteração da norma processual aplicar-se-á desde logo aos processos em curso, mas sem gerar qualquer prejuízo para a validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

Logo, pode-se dizer que a obrigatoriedade da observância do princípio da identidade física do juiz, no processo penal comum, somente surgiu de forma genérica com a vigência da Lei n. 11.719/2008.

Embora o art. 399, §2º, do CPP não preveja qualquer ressalva à vinculação do magistrado, a doutrina e a jurisprudência eram pacíficas em admitir a aplicação subsidiária do art. 132 do CPC/1973, quando ainda vigente. Sendo assim, a vinculação do magistrado cessaria caso estivesse convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, hipóteses em que os autos seriam encaminhados ao seu sucessor.

Mesmo com a revogação do CPC/1973, permaneceu o entendimento acerca da aplicação de tais exceções ao art. 399, §2º, do CPC.

E não só.

O ordenamento prevê diversas outras hipóteses de afastamento do princípio, sem que haja qualquer ilicitude.

Daniel Assunção aponta o exemplo do duplo grau de jurisdição, por permitir ao Tribunal a revisão dos fatos, sem que os magistrados de grau superior tenham participado da produção da prova oral[14].

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, utilizam magistrados instrutores, que são juízes ou desembargadores convocados para realizar atos de instrução nos feitos de competência originária daqueles tribunais, também flexibilizando o princípio da identidade física do juiz[15].

Cite-se ainda a possibilidade de realização do interrogatório do réu e da oitiva de testemunhas por carta precatória, como bem exposto em decisão do STJ:

Com a introdução do princípio da identidade física do Juiz no processo penal pela Lei 11.719/08 (art. 399, § 2º do CPP), o Magistrado que presidir os atos instrutórios, agora condensados em audiência una, deverá proferir a sentença, descabendo, em regra, que o interrogatório do acusado, visto expressamente como autêntico meio de defesa e deslocado para o final da colheita da prova, seja realizado por meio de carta precatória, mormente no caso de réu preso, que, em princípio, deverá ser conduzido pelo Poder Público (art. 399, § 1º do CPP); todavia, não está eliminada essa forma de cooperação entre os Juízos, conforme recomendarem as dificuldades e as peculiaridades do caso concreto, devendo, em todo o caso, o Juiz justificar a opção por essa forma de realização do ato. A adoção do princípio da identidade física do Juiz no processo penal não pode conduzir ao raciocínio simplista de dispensar totalmente e em todas as situações a colaboração de outro juízo na realização de atos judiciais, inclusive do interrogatório do acusado, sob pena de subverter a finalidade da reforma do processo penal, criando entraves à realização da Jurisdição Penal que somente interessam aos que pretendem se furtar à aplicação da Lei[16]

Não obstante, quando da edição da Resolução nº 105/2010, que dispõe sobre a documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência, o Conselho Nacional de Justiça mostrou-se atento aos benefícios do contato imediato do magistrado prolator da sentença com a prova.

Neste ato normativo, restou estabelecido que, quando a testemunha não residir na sede do juízo, deve-se dar preferência, em decorrência do princípio da identidade física do juiz, à expedição da carta precatória para a inquirição pelo sistema de videoconferência pelo magistrado deprecante, em detrimento da inquirição realizada pelo juízo deprecado (art. 3º).

O art. 6º, a seu turno, prevê disposição análoga referente ao interrogatório do acusado solto.

Sobre o autor
Leonardo Jucá Pires de Sá

Analista do Ministério Público da União.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos